Paraíba

Coluna

Universalização e democratização do saneamento? Desafios no processo de regionalização na Paraíba

Estação de Tratamento de Esgoto de Matureia. - Foto: Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB/PB).
A Cagepa atuou na ampliação e melhoria dos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário

Por Jhersyka Barros Barreto*, Patrícia Hermínio Cunha Feitosa** e Kainara Lira dos Anjos***

A Lei Federal N° 14.026, de 15 de julho de 2020, ficou conhecida como “Novo Marco Legal do Saneamento Básico” por alterar o Marco Legal do Saneamento, instituído pela Lei Federal N° 11.445/2007 e regulamentado pelo Decreto nº 7.217/2010. Dentre as alterações está a obrigatoriedade da prestação regionalizada dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário nos estados brasileiros, que é definida como: “modalidade de prestação integrada de um ou mais componentes dos serviços públicos de saneamento básico em uma determinada região cujo território abranja mais de um município”.

Os estados tiveram o prazo de um ano a contar da data de publicação da Lei 14.026/2020 para criar suas estruturas regionalizadas. Caso a regionalização não fosse instituída pelos estados dentro do prazo, poderia ser estabelecida, de forma compulsória pela União, com a criação de blocos de referência para a prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento. Além disso, a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da União foram condicionados, entre outras exigências, à regionalização.

O Projeto de Lei Complementar (PLC), que propôs a regionalização do saneamento da Paraíba, foi apresentado por representantes do governo, um consultor jurídico e pelo responsável técnico da Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia (Fundace) em uma “audiência pública” online, transmitida ao vivo pelo canal do YouTube da Secretaria da Infraestrutura, dos Recursos Hídricos e do Meio Ambiente (SEIRHMA), no dia 18 de maio de 2021. A participação dos demais atores envolvidos ficou restrita aos questionamentos e comentários via chat da transmissão.

O Estudo Técnico¹, desenvolvido pela Fundace e que serviu de base para a elaboração da proposta de regionalização da Paraíba, não foi apresentado na “audiência pública”. Ele foi disponibilizado apenas na noite do dia 16 de junho de 2021, quando deu entrada na Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB), juntamente com o PLC. Ou seja, foi disponibilizado em menos de 24 horas de antecedência para o início da 26° Sessão Ordinária da ALPB, do dia 17 de junho de 2021, onde foi aprovada a Lei Complementar N°168. 

Nem mesmo os parlamentares tiveram acesso prévio aos estudos com um prazo viável para analisá-los. Em 22 de junho de 2021, o Governo da Paraíba instituiu as Microrregiões de Água e Esgoto do Alto Piranhas, da Borborema, do Espinharas e do Litoral, e suas respectivas estruturas de governança para atender as exigências da Lei 14.026/2020.


Microrregiões de Água e Esgoto da Paraíba. / Fonte: SEIRHMA, 2021

A prestação regionalizada de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário não é uma prática nova no setor de saneamento básico. Na Paraíba, já ocorre há décadas por meio da prestação desses serviços pela Companhia Estadual de Água e Esgoto da Paraíba (Cagepa), criada por meio da Lei N°3.459, de 31 de dezembro de 1966, que instituiu também o Fundo Estadual de Água e Esgoto (FEAG). 

A prestação dos serviços de água e esgoto com abrangência estadual pela Cagepa gerou ganho de escala e um caixa único, que viabilizou, por intermédio do subsídio cruzado, que municípios deficitários tivessem os custos dos serviços cobertos pelos municípios superavitários. Embora não tenha solucionado o déficit existente na prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário nos municípios paraibanos, historicamente, a Cagepa atuou na ampliação e melhoria dos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário.

A Cagepa atende cerca de 90% dos municípios paraibanos, mas pode ter sua abrangência regional comprometida diante das alterações propostas pela Lei Federal N° 14.026/2021 

A Cagepa atende cerca de 90% dos municípios paraibanos, mas pode ter sua abrangência regional comprometida diante das alterações propostas pela Lei Federal N° 14.026/2021, que além de extinguir os contratos de programas e convênios de cooperação, incentiva a livre concorrência, por meio de licitações para firmar contratos de concessão. 

Além disso, a Lei Complementar N° 168/2021, que instituiu as Microrregiões de Água e Esgoto da Paraíba, inviabilizou o subsídio cruzado a nível estadual, sendo possível apenas entre municípios deficitários e superavitários da mesma Microrregião. Não há, portanto, a possibilidade de subsídio cruzado entre as Microrregiões, sob a justificativa que elas serão autossuficientes em termos de viabilidade financeira (Anexo V da Lei Complementar N° 168/2021).

No Estudo Técnico (Fundace, 2021), que resultou nas Microrregiões de Água e Esgoto da Paraíba, a realidade dos municípios de pequeno porte e das áreas rurais, assim como os aspectos climáticos e disponibilidade hídrica não foram considerados. Os dados que comprovam a viabilidade técnica e sustentabilidade econômico-financeira das Microrregiões também não foram disponibilizados. 

No entanto, estudos comprovam que apenas a Microrregião do Litoral apresenta sustentabilidade econômico-financeira, por se tratar de uma Microrregião superavitária. O Litoral concentra em média 60% da receita operacional direta total da Cagepa, sendo uma Microrregião fundamental para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da Companhia Estadual².

O Governo da Paraíba, juntamente com o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), está realizando estudo técnico para concessão ou parceria público-privada (PPP) na prestação de serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, bem como de serviços de gestão operacional, em 93 municípios paraibanos, que estão situados nas Microrregiões do Litoral e Alto Piranhas³, Borborema e Espinharas não foram incluídas nesse estudo. 

Com a concessão dos serviços do Litoral e Alto Piranhas, a Cagepa pode perder mais de 60% da sua receita operacional direta total, o que pode comprometer a prestação desses serviços nos municípios das demais Microrregiões. Além disso, a comprovação da sustentabilidade econômico-financeira das Microrregiões e da Cagepa são essenciais para a captação de recursos financeiros a serem investidos na ampliação e melhoria dos serviços de água e esgoto para atender as metas de universalização até 2033. 

Referências

¹ Estudo Técnico [FUNDACE] (2021). Regionalização do Saneamento Básico: Paraíba - Microrregiões de Água e Esgoto da Paraíba. Acesse aqui.

² Barreto, JB., Feitosa, PHC., Anjos, KL dos., & Velez, WM. (2021). Análise da regionalização do saneamento: cenários hídricos e (in)sustentabilidade econômico-financeira das microrregiões de água e esgoto da Paraíba. Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento, 10 (10), e117101018513. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i10.18513

³ BNDES (2021). Projetos em andamento - Desestatização.

*Jhersyka Barros Barreto é arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Especialista em Educação e Meio Ambiente pelo Instituto Federal de Alagoas (IFAL). Mestre e Doutoranda em Engenharia e Gestão de Recursos Naturais (PPGEGRN) pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). 

**Patrícia Hermínio Cunha Feitosa é engenharia civil pela Universidade Federal da Paraíba (2000), possui doutorado em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Campina Grande (2008). Atualmente, é professora associada I da UFCG.

***Kainara Lira dos Anjos é arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), tem mestrado e doutorado em Desenvolvimento Urbano pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE. Atualmente, é professora adjunta do curso de arquitetura e urbanismo da UFCG.

****Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.


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Edição: Carolina Ferreira