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Violência contra as mulheres vira espetáculo em programas policialescos na Paraíba

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Neste artigo, a autora fala sobre violência contra as mulheres e os programas policialescos. - Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.
O direito ao sigilo e a privacidade da vítima não existem mais?

Por Mabel Dias*

Há duas semanas, concedi entrevista para três emissoras de TV e uma de rádio, em João Pessoa: TV Cabo Branco, TV Tambaú e TV Arapuan, e a rádio Jovem Pan. O assunto era a divulgação dos dados do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que mostrava o crescimento dos índices de violência contra as mulheres no Brasil. Muito louvável a atitude das emissoras em pautar este tema e, principalmente, trazer uma estudiosa do assunto para comentar os dados e não apenas tratar como estatísticas as informações do Anuário, reveladoras sobre o agravamento da violência de gênero em nosso país.

No entanto, não demorou muito, para que duas dessas emissoras jogassem fora tudo o que foi falado anteriormente sobre ética e violência contra as mulheres. Esta semana, a TV Arapuan e a Tambaú exibiram, no dia 30 de julho, reportagens sobre dois casos que tratam da violência contra as mulheres, na Paraíba. Em uma das matérias, exibidas pela TV Arapuan no programa Cidade em Ação, apresentado por Samuka Duarte, é colocado lado a lado na tela da TV, agressor e  vítima. O agressor, durante a entrevista, sorri, enquanto a mulher narra as violências que sofreu. O apresentador transforma a entrevista em um espetáculo grotesco e antiético, expondo a vítima a perguntas humilhantes e que a deixam mais vulnerável.

Em 2021, escrevi um artigo sobre quatro reportagens, exibidas no Correio Verdade, policialesco da TV Correio, afiliada à RecordTV, quando Samuka Duarte era apresentador. Em todas elas, ele colocava as mulheres, vítimas e sobreviventes da violência, como culpadas pelo crime que sofreram, e ainda usava a religião para explicar suas colocações. Ao comentar duas destas reportagens, uma sobre o feminicídio de Pâmela Bessa, uma jovem de 25 anos,  assassinada grávida de seis meses pelo seu marido, dentro de casa,  na cidade de Poço José de Moura, Samuka diz: “Em quem confiar? O marido que diz que ama a mulher e faz isso? A gente vê um negócio desse e lembra de Whindersson Nunes, confiando na mulher, levou um par de chifres de lascar.” Na segunda reportagem, também exibida pelo Correio verdade, em 2020, Samuka comenta sobre outro feminicídio, também de uma mulher jovem, ocorrido no interior do estado, praticado pelo seu ex-marido: “Você não pode ficar com uma mulher a força, meu irmão, se não, você vai levar cangaia.”

Temos um código de ética em nossa profissão, o Código de Ética da/o Jornalista Brasileira/o, em que trata sobre as condutas que devemos ter no momento de fazer reportagens, artigos, entrevistas sobre temas como esse. No entanto, este código já foi rasgado há muito tempo pelos programas policialescos

A TV Tambaú, afiliada ao SBT, também concedeu espaço ao agressor para “explicar” os motivos que o fizeram torturar a namorada, no programa O povo na TV. O apresentador Erly Batista nomeia o caso como “muído”, e não violência de gênero. Erly ainda se vangloreia de ter uma exclusiva no seu programa com o agressor de uma mulher. O espaço concedido ao agressor e ao seu advogado foi generoso: 17 minutos. Temos um código de ética em nossa profissão, o Código de Ética da/o Jornalista Brasileira/o, em que trata sobre as condutas que devemos ter no momento de fazer reportagens, artigos, entrevistas sobre temas como esse. No entanto, este código já foi rasgado há muito tempo pelos programas policialescos, carros-chefes das emissoras paraibanas e brasileiras. O que vemos é a vida das mulheres, meninas e adolescentes, vítimas ou sobreviventes de violência, sendo exposta, seus direitos violados, e a reprodução de uma estética do grotesco, como diz o professor Muniz Sodré, para garantir audiência. Não adianta levar especialistas nos estúdios, mostrar como funciona os serviços que protegem as mulheres no estado da Paraíba, informar como pedir ajuda, a importância da Lei Maria da Penha, se a mídia não cumpre o seu papel básico: não violar direitos humanos!

Em outra reportagem, ao vivo, exibida no dia 30 de julho no programa Tá na Hora PB, também na TV Tambaú, o repórter está de plantão na Central de Polícia, em João Pessoa, e tenta a todo custo, entrevistar uma mulher, que acabara de chegar na delegacia para ser atendida. O repórter entra em uma das salas da Central de Polícia, sem nenhum protocolo de segurança, onde a vítima está e tenta entrevistá-la a todo custo. O caso não se tratava de violência de gênero, entretanto, não há nenhuma ética por parte do programa e do repórter ao realizar a matéria. O direito ao sigilo e a privacidade da vítima não existem mais?. Seria importante a Secretaria de Segurança Pública da Paraíba adotar um protocolo para permitir a entrada de comunicadores nas delegacias da Paraíba, principalmente quando se trata de casos envolvendo violência contra as mulheres. Se existe este protocolo, ele está sendo cumprido pela imprensa?

Os próprios repórteres, apresentadores, comentaristas destes programas também têm que cumprir seus deveres enquanto comunicadores

Já tratei deste tema em outros textos, no qual indico a legislação voltada à comunicação no Brasil e que determina diretrizes para as empresas de mídia, que são concessões públicas, para não violar direitos. Além disso, os próprios repórteres, apresentadores, comentaristas destes programas também têm que cumprir seus deveres enquanto comunicadores, mas parece que a máxima que vale é ter mais likes, curtidas, compartilhamentos, “viralizar”, mesmo que se trate da vida de pessoas. O Sindicato dos Jornalistas da Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa (API) deveriam entrar nesta luta, pois não adianta ficarmos estarrecidas/os com o crescimento da violência contra as mulheres e cobrar dos governos, ações preventivas e combativas, se não fazemos nossa parte, enquanto jornalistas e entidades representantivas da categoria, por uma mídia sem violações de direitos humanos. 

*Mabel Dias é jornalista, mestra em Comunicação pela UFPB, feminista, doutoranda em Comunicação pela UFPE, observadora credenciada do Observatório Paraibano de Jornalismo, integrante do Coletivo Intervozes, coordenadora adjunta do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação e autora do livro “A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional.”

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.

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Edição: Carolina Ferreira