Paraíba

HISTÓRIA

Opinião | Por que matei João Pessoa?

O professor de história Rafael Virginio descreve os motivos que levaram João Dantas a matar João Pessoa, em 1930

Brasil de Fato PB | João Pessoa |
João Duarte Dantas. - Foto: Reprodução.

Por Rafael da Silva Virginio* 

Me chamo João Duarte Dantas, nasci em Mamanguape no dia 12 de maio de 1888, existe uma dúvida sobre o dia que nasci, alguns atribuem o dia 12 de junho de 1888. O final da minha vida é tão marcante que poucos sabem do início dela. Sou filho de Franklin Dantas e Júlia Dantas, fui criado pela minha avó, minha infância se passou em Mamanguape. Aos 16 anos, fui estudar no Lyceu Paraibano, localizado na capital chamada de PARAHYBA, nessa época ainda era esse nome, só depois do assassinato que cometi é que vão passar a chamá-la pelo nome do homem que matei.   

Depois dessa fase no Lyceu, fui estudar em Recife, fiz Direito, me tornei advogado e segundo pessoas da época, um bom advogado, fiz desse ofício meu ganha pão, advoguei para muita gente importante no Brasil, como hobby gostava de escrever, quem lia gostava da coluna “Risos e Frisos” que era publicada no periódico O Jornal. Fiz muita coisa, mas, infelizmente, muita gente só me conhece como assassino de João pessoa, e isso me incomoda.

Como não poderia ser diferente, dos homens da época, também era envolvido com política local, isso pulsava no sangue. A política paraibana, na década de trinta, teve um divisor de águas, chamado de João Pessoa, homem nascido no meio coronelista, sobrinho do político mais importante da Paraíba. Conseguiu ser eleito devido aos acordos da época e a influência do seu tio Epitácio Pessoa, após a eleição imaginávamos que aquela aparente harmonia na política paraibana se manteria. Mas tudo mudou, nessas mudanças, o chefe do executivo demonstrou ser um gestor autoritário e desumano por estas atitudes, quando exerceu o cargo de governador da Paraíba, matei João Pessoa, e digo que não me arrependo, se voltasse ao período garanto que mataria de novo. 

O que João Pessoa teria feito para que eu o tivesse assassinado e não me arrependido?

O caro leitor deve estar se perguntando o que João Pessoa teria feito para que eu o tivesse assassinado e não me arrependido. Vou tentar justificar e queria um pouco de sua atenção para ler e ouvir minha versão. 

Todo este desejo de justiçamento nada tem a ver com minhas diferenças políticas com João Pessoa, isso é normal na política, o que me levou a cometer o assassinato tem a ver com suas atitudes utilizando a polícia militar como forma de perseguição particular e covarde. Como pode um homem apelidado por uma de suas viúvas mais graúdas como “o reformador” usar a polícia para prender e torturar meu irmão, Joaquim Dantas, homem que não colocava os pés na Paraíba há mais de 15 anos? Ele, meu irmão, nunca tinha cometido nenhum crime. Foi encontrado na cadeia de Piancó em um estado deplorável. 

Depois desse fato veio a invasão e destruição, com incêndio da fazenda Santo Agostinho de propriedade da minha família, sendo esse crime imputado à polícia militar do estado sobre as ordens de João Pessoa e, por fim, o fato mais conhecido e decisivo para a minha atitude, em que a mando dele, policiais invadiram meu escritório, no centro da capital paraibana, sem nenhum mandado judicial, jogaram todos os meus pertences na rua e entre tudo que foi jogado estavam cartas particulares, trocadas com familiares, clientes e com minha namorada Anayde Beiriz. Tiveram a coragem de expor, publicaram no jornal de maior circulação uma nota chamando as pessoas para ler minhas cartas amorosas, e assim foi feito. Durante dias, muitos curiosos foram rir e me ridicularizar impulsionados pela sanha da desmoralização pública de um inimigo que até este momento ainda era um inimigo político, mas João Pessoa passou dos limites morais da época.
 
Passei muitos anos sendo retratado pelas viúvas do defunto como assassino frio, calculista e cruel, mas não foi bem assim, aquele gatilho quem puxou foi João Pessoa, suas atitudes me levaram ao ato. Na hora dos tiros, me passou um filme, pensei em tudo que ele fez, dei três tiros, logo após, senti uma leveza, uma paz. Para você que vive em 2024, essa atitude e o não arrependimento pode ser injustificável, mas para mim, um homem criado na década de trinta, essa era a melhor forma de justiça, cometer o justiçamento e assim o fiz. Podem me julgar, mas insisto, morri de consciência e alma lavada. 

*Rafael da Silva Virginio é professor de História. Escreveu este texto interpretando João Duarte Dantas, incorporando, em seu relato, os motivos que levaram João Duarte Dantas a matar João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.

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Edição: Carolina Ferreira