A Secretaria de Educação da Paraíba emitiu, na última quarta-feira (21) uma portaria que estabelece novas regras de vestimenta e controle de acesso em suas dependências. Segundo a portaria, fica desautorizado o acesso às dependências da Secretaria para homens que estiverem trajando camisetas tipo regata e bermudas de qualquer tamanho.
Para as mulheres, o acesso será negado caso estejam vestindo miniblusas, tops, blusas e vestidos frente única, decotes e fendas acentuadas, minissaias, minishorts ou qualquer traje que esteja acima dos joelhos. O cumprimento dessas regras será fiscalizado pelo serviço de vigilância e controle de acesso da Secretaria. As regras servem tanto para visitantes quanto para funcionárias/os. Além disso, o ingresso de vendedores e entregadores nas áreas internas do prédio também foi vetado.
Conselho Nacional de Justiça
Essas medidas vêm na esteira de uma recente discussão sobre normas de vestimenta em instituições públicas. Em março de 2024, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) solicitou esclarecimentos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre regras semelhantes adotadas pela Corte, que também restringiam o uso de determinadas roupas, como cropped e minissaia, em suas dependências.
O ministro Luis Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça, pediu que o STJ explicasse os motivos por trás dessas normas, especialmente quanto ao impacto sobre servidoras e visitantes do gênero feminino. A norma do STJ incluía exceções para idosos, estudantes em visita institucional e povos indígenas.
Reflexões sobre gênero e vestuário no ambiente de trabalho
Em 2021, a advogada Mayra Cotta e a consultora de moda Thais Farage publicaram o livro ‘Mulher, Roupa, Trabalho: como se veste a desigualdade de gênero’ (Ed. Paralela), onde discutem como a desigualdade de gênero se manifesta nas escolhas de vestuário das mulheres no ambiente de trabalho. Elas exploram como as regras de vestimenta foram historicamente moldadas para limitar e objetificar as mulheres, destacando a pressão constante para que se conformem a um padrão de seriedade que muitas vezes se alinha ao masculino.
O livro examina como a construção do vestuário feminino nos espaços corporativos reflete as inseguranças geradas pelo julgamento e preconceito, mostrando que a escolha de uma roupa pode ser influenciada pelo medo de assédio ou discriminação.
“A sensação de inadequação da mulher ao espaço de trabalho é permanente, e não tem a ver com a roupa e sim com um mundo que não foi feito para ser ocupado por mulheres, mas que ocupamos por insistência e teimosia. Assim, por exemplo, o terno - a roupa "legítima" do trabalho - é adaptado para as vestes femininas, estão ali elementos seus, no corte que não marca o corpo, nas cores sóbrias... É preciso mimetizar o masculino para passar uma ideia de seriedade e competência” - diz Mayra Cotta.
Na obra, as autoras voltam ao início da Modernidade e percorrem os dois últimos séculos para traçar paralelos entre episódios culturais e políticos e a imposição de regras do vestuário feminino no mercado de trabalho. Historicamente, Mayra observa como a mulher passou a existir primeiramente "como um corpo", para ser julgado e comentado, e por que tal preocupação jamais ocorreria para um homem branco. Assim, quanto mais se aproxima do que é entendido como feminino, seja uma roupa mais marcada ou justa, mais a mulher vai sendo entendida "como um corpo", e esta objetificação traz junto a desculpa para o exercício de discriminação e violências, como a sexual.
A autora também menciona a existência de jurisprudência no Supremo Tribunal Federal (STF) condenando práticas discriminatórias relacionadas à estética no ambiente de trabalho. Segundo Mayra Cotta, é ilegal impor regras de vestuário que discriminem por gênero, raça ou qualquer outra característica pessoal, embora normas adequadas à função desempenhada sejam permitidas.
Tentamos contato com o Secretário de Educação da PB, Wilson Filho, através do WhatsApp, mas não obtivemos resposta. Também procuramos a assessoria de comunicação, que igualmente não nos respondeu. Nosso objetivo era compreender as motivações por trás deste decreto e obter uma declaração sobre o possível viés de preconceito de gênero presente em sua estrutura.
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Edição: Cida Alves