Paraíba

Coluna

Da primavera para as rosas negras ao outono das Olimpíadas das mulheres: o protagonismo da mulher negra

Lélia González é um símbolo da luta feminista e antirracista. - Foto: Reprodução/Centro de Cultura Luiz Freire.
Ao alcançarem esse papel de destaque, elas desafiaram estereótipos impostos à mulher negra

Por Emelyne Duarte Sales*, Jessiane Bezerra Gomes**, Raiane Dos Santos Silva*** e Ana Cristina Silva Daxenberger****
           
A luta da população negra pela liberdade e garantia de direitos tem seus grandes heróis e heroínas, como Zumbi dos Palmares. Mas se o reconhecimento ainda é pouco para os homens negros, para as mulheres negras não é diferente. A invisibilidade vem em dobro, por serem mulheres e negras. Comumente, ouvimos que “ao lado de um grande homem, há também uma grande mulher”. Grande líder quilombola, Zumbi não estava sozinho. Tinha a influência de sua avó Aqualtune e ao seu lado enquanto esposa e guerreira, Dandara dos Palmares, mulheres com papel essencial na estruturação do Quilombo dos Palmares

Na história quilombola do país, Dandara figura ao lado de outras mulheres como Maria Aranha, líder do Quilombo de Mola, no Tocantins e de Tereza de Benguela, responsável por coordenar o Quilombo do Quariterê, maior quilombo do Mato Grosso, liderança que lhe rendeu o merecido título de Rainha Tereza. Celebramos Tereza, junto ao dia da Mulher Negra, Afro-Latino-Americana e Caribenha, em 25 de Julho. A data evidencia uma luta conjunta guiada pela amefricanidade, conceito criado por Lélia Gonzalez, tratando-se da luta racial e feminista da América e do Caribe a partir da África. Em Primavera para as Rosas Negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa, entendemos toda a sua constituição enquanto mulher negra e brasileira, atuante na luta negra feminista, por uma vida inteira. 

Leia: Memórias quilombolas: a organização de mulheres negras de Caiana e o 25 de julho, Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha e de Tereza de Benguela

Graduada em história e filosofia, Lélia foi também professora, escritora e ativista, um dos maiores nomes do Movimento Negro Unificado (MNU) e do Nzinga Coletivo de Mulheres Negras. Abriu e consolidou espaços para as vozes femininas, na expressividade dos movimentos sociais nas décadas de 1970 e 1980, no Brasil. O ativismo das mulheres negras surge na estruturação do movimento feminista, tratando inúmeras pautas de direitos fundamentais, políticos e sociais. Um caminho não tão simples, visto que o movimento feminista no Brasil foi formado inicialmente por boa parte de mulheres de classes médias, que tinham funcionárias negras e que não problematizavam o racismo, por exemplo. Lélia foi uma das responsáveis por criticar os valores coloniais presentes no pensamento feminista brasileiro.

A partir disso, é preciso reconhecer o pioneirismo de diversas mulheres negras, em diferentes contextos sócio-históricos, políticos e culturais do país. Como as escritoras: Maria Firmina dos Reis − primeira escritora negra do país; Carolina Maria de Jesusbest seller e poetisa da realidade social das mulheres negras brasileiras; Conceição Evaristo − pesquisadora, docente universitária e influente escritora; Ana Maria Gonçalves − escritora premiada em 2007. Além da literatura, no amplo universo cultural, estão importantes sambistas como: Tia Ciata − influente no surgimento do samba carioca; Alcione − cantora e compositora; Dona Ivone Lara − cantora, compositora e grande dama do samba brasileiro.

: Diários e Cartas: escrevivências de autoras negras :


Hilária Batista de Almeida, conhecida como Tia Ciata ou Ciata da Oxum. / Reprodução

Nas múltiplas artes, temos nomes como: Elza Soares − cantora, compositora musical e intérprete de samba-enredo brasileiro; Tereza Cristina − cantora e compositora brasileira; Margareth Menezes − cantora, compositora, atriz e política brasileira; Zezé Motta − atriz e cantora brasileira, uma das maiores artistas do país, expoente da cultura afro-brasileira; Ruth de Souza − grande atriz brasileira; Glória Maria − jornalista, repórter e apresentadora de televisão brasileira. O pioneirismo também adentra campos fortemente eurocentristas e masculinizados, como a ciência. São mulheres negras pesquisadoras e cientistas como: Sueli Carneiro − filósofa, escritora, ativista e primeira mulher negra a receber o título de doutora honoris causa pela Universidade de Brasília; Sônia Guimarães − primeira mulher negra brasileira a ter um PhD, em 1988, sendo uma cientista pioneira em física no Brasil; Djamila Ribeiro − filósofa, ativista, escritora e pesquisadora. 

São mulheres que vivenciaram diferentes contextos, precisando constantemente reafirmar suas identidades. Saímos de uma primavera, passamos pelo verão e adentramos o outono das rosas negras brasileiras. Em 2024, ano das Olimpíadas de Paris, pela primeira vez tivemos mais atletas mulheres do que homens representando o Brasil. Foram elas as responsáveis pela maior parte do quadro de medalhas conquistadas. O protagonismo negro e feminino veio forte com atletas como: Beatriz Souza − judoca medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Paris 2024; Rebeca Andrade − ginasta com segundo ouro em Paris e maior medalhista do Brasil, sucessora de Daiane dos Santos − ginasta campeã mundial e comentarista brasileira; Rafaela Silva − judoca medalhista; Rayssa Leal − skatista e uma das mais jovens atletas medalhistas do país; Ketleyn Quadros − judoca medalhista; Marta – eleita melhor jogadora do mundo por seis vezes e medalhista olímpica por três vezes. 

: Nas Olimpíadas de Paris, o ouro do Brasil é negro e tem nome de mulheres :
 


Beatriz celebra a conquista inédita nas Olimpíadas de Paris / © Alexandre Loureiro/COB

Essas atletas demonstraram a força que as mulheres têm em quaisquer espaços que quiserem ocupar, a necessidade de investir e acreditar no talento e esforço feminino. Ao alcançarem esse papel de destaque, elas desafiaram estereótipos impostos à mulher negra trazendo representatividade e inspiração para meninas negras que almejam espaços majoritariamente compostos por pessoas brancas. Uma conquista de espaços com desdobramentos e impactos na sociedade como um todo. São conquistas que devem ser evidenciadas, sem esquecer e nem mascarar a realidade brasileira em que mulheres negras ainda são as mais afetadas pela vulnerabilidade social, violência e falta de acesso à educação de qualidade. Reconhecer a atuação das mulheres negras nas Olimpíadas é evidenciar a força e a capacidade de vencer estruturas de opressão que por muitos séculos as marginalizam, promovendo o debate e criação de políticas públicas que lhes permitam, cada vez mais, oportunidades.

No ano em que a luta contra o racismo obteve a maior condenação por crime de racismo praticado contra uma criança negra, precisamos evidenciar as mulheres que também se fazem presentes nos espaços políticos, como: Antonieta de Barros − jornalista e primeira mulher negra eleita deputada federal no Brasil; Marielle Franco − socióloga, ativista e política brasileira; Erika Hilton − mulher periférica, negra e trans,  eleita vereadora em São Paulo por votação recorde. Assim como na Justiça do país: Luislinda Dias de Valois Santos − primeira juíza negra do Brasil e a primeira a sentenciar uma condenação por crime de racismo no país, Ivone Ferreira Caetano − primeira mulher negra a se tornar juíza do Tribunal de Justiça do Rio e Juliana Souza Oris − advogada brasileira responsável pela maior e primeira pena em regime fechado já aplicada por racismo no Brasil. Aqui estão representadas algumas das mulheres negras que fizeram e seguem fazendo parte da construção da história do país, trazendo consigo a força, as tradições e a luta dos seus ancestrais, inovando e abrindo caminho para que inúmeras outras pessoas tenham o espaço que lhes é de direito. A força feminina tem sido a grande propulsora das transformações sociais que perpassam o Brasil. 

Para saber mais 

GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. São Paulo: Editora Filhos da África, 2018.

LIMA, Zilá. 100 Mulheres negras brasileiras importantes. Wiki Favelas, 2024.

RIOS, Flávia. Gênero e raça no Brasil (1978-2018): movimentos sociais, sociedade civil e Estado. São Paulo: Instituto de Saúde, 2018, p. 453-469. 


*Emelyne Duarte Sales é bacharela em Ciências Biológicas pela UFPB, Campus II. Licencianda em Ciências Biológicas pela UFPB. Voluntária do PROLICEN e bolsista no Programa de Iniciação à Docência - PIBID, pela UFPB.

**Jessiane Bezerra Gomes é licencianda em Ciências Biológicas pela UFPB Campus II. Bolsista do Prolicen e ex-bolsista de extensão na área de educação. Atualmente, vem realizando estudos na área da educação étnico-racial dentro do ensino de ciências e biologia.

***Raiane dos Santos Silva é licencianda em Ciências Biológicas pela UFPB, Campus II. Bolsista do Prolicen e ex-bolsista de extensão na área de educação. Atualmente, vem realizando estudos na área da educação étnico-racial dentro do ensino de ciências e biologia.

****Professora Dra. do DCFS/CCA/UFPB. Coordenadora do Prolicen "Formação Docente na Perspectiva da Educação das Relações Étnico-raciais”. Membro do Neabi/UFPB. Doutora em Educação Escolar. Professora do DCFS/CCA/UFPB.

*****Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB
 

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Edição: Carolina Ferreira