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Reportagem em TV paraibana desinforma sobre resolução do Conselho Nacional de Justiça

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"De acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos, em 2016, a cada três dias, uma denúncia de maus-tratos em unidades psiquiátricas é recebida pela pasta."
"De acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos, em 2016, a cada três dias, uma denúncia de maus-tratos em unidades psiquiátricas é recebida pela pasta." - Saúde Mental RJ
O policialesco optou em desinformar e colocar medo na população

Por Mabel Dias*

No dia 16 de agosto, a TV Correio, afiliada à Record TV, exibiu uma reportagem no policialesco Correio Verdade sobre o fechamento do hospital psiquiátrico de custódia, em João Pessoa, cumprindo a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na matéria, a repórter Glaucia Araujo entrevista um senhor que tinha um filho internado no manicômio, e que foi liberado após a instituição cumprir o que estipula o documento. Ele demonstra preocupação com a saída do filho, e diz não dormir mais, preocupado com o que ele pode fazer com os familiares em casa e com as pessoas na rua. Ao final da matéria, como é de praxe de todo policialesco, o apresentador Paulo Neto profere um discurso ofensivo contra a resolução e os integrantes do CNJ, sugerindo que eles levassem para casa deles os “loucos que forem liberados do manicômio”. No entanto, o apresentador não fala que o jovem e sua família podem e devem ser cuidados pelos serviços de saúde mental que funcionam em João Pessoa.

O apresentador cita que entrevistou no programa de rádio que apresenta dois psiquiatras, que se posicionaram contra a resolução 487. Para a professora do curso de Direito da UFPB, Ludmila Correia, o conteúdo da reportagem deve ter sido influenciado por psiquiatras da Associação Brasileira de Psiquiatria, “instituição bastante conservadora e que sempre foi contra a reforma psiquiátrica brasileira”. “Os manicômios judiciários são um resquício das instituições psiquiátricas que nunca foram fechadas, quando se anuncia esse fechamento e o prazo para que isso aconteça, a ABP retoma este discurso, com todo o seu conservadorismo e seus argumentos contrários, para atacar o fechamento destas instituições que violam direitos humanos há algumas décadas no Brasil”, complementa a professora.

De acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos, em 2016, a cada três dias, uma denúncia de maus-tratos em unidades psiquiátricas é recebida pela pasta. Só naquele ano, foram 143 queixas de violações ocorridas em manicômios, hospitais psiquiátricos ou as chamadas casas de saúde. Com a promulgação da reforma psiquiátrica (Lei nº10.216/2001) no Brasil, estes espaços de violação aos direitos humanos foram fechando gradualmente, a exemplo do Instituto Psiquiátrico da Paraíba (IPP), que funcionava em Cruz das Armas, e a Casa de Saúde São Pedro, localizada na avenida Epitácio Pessoa.

A reforma estabelece que as pessoas em sofrimento mental podem ser cuidadas em liberdade, sendo acompanhadas por Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Hospitais Dia, e para aquelas que não tinham mais nenhum vínculo familiar, os Serviços Residenciais Terapêuticos, casas onde estas pessoas podem morar. Em 2023, o CNJ divulgou a resolução 487/2023 para que estados e municípios brasileiros implementem a Política Antimanicomial do Poder Judiciário. Na prática, o documento estipula que sejam instituídas medidas voltadas à saúde das pessoas que tenham algum transtorno mental e, por conflito com a lei, estejam recolhidas em hospitais psiquiátricos de custódia, mais conhecidos como manicômios judiciários. No entanto, ao invés de informar, os meios de comunicação estão distorcendo o conteúdo da resolução 487 do CNJ, como se as portas dos manicômios fossem ser abertas do dia para a noite e os “loucos criminosos” ficariam à solta nas ruas, voltando a cometer crimes. “O que está acontecendo é muita desinformação.”, afirma a professora do curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba, Ludmila Correia.

A Defensoria Pública da Paraíba recebeu recentemente o caso de uma mulher, que foi internada no Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, em João Pessoa, suspeita de tentativa de homicídio. Ela tinha transtornos mentais, e a Defensoria atuou para promover a desinternação dela, atestando sua doença mental e aptidão para realizar um tratamento psiquiátrico de forma ambulatorial, ou seja, por meio de consultas, terapias e procedimentos que não requerem internação. Isso não foi informado pela reportagem da TV Correio. Por quê?

A reportagem também não informa aos telespectadores da TV Correio que a resolução 487 estabelece que estas pessoas devem ser assistidas pela Rede de Saúde Mental, do município e do estado, pra que sejam devidamente tratadas, cuidadas.

A reportagem omite informações sobre o funcionamento dessas instituições no Brasil, e o porquê o CNJ estabeleceu esta norma para que sejam fechadas, de maneira gradual. Tampouco sobre o que estabelece a reforma psiquiátrica, iniciada nos anos 80, uma luta de anos de profissionais da saúde, familiares e pacientes da Luta Antimanicomial para que se garanta o tratamento digno e humano a essas pessoas com sofrimento mental. Abusos sexuais, torturas, restrição de comida, castigos, trabalhos forçados, cárcere privado, eletrochoque são algumas das violações praticadas contra os pacientes nos hospitais psiquiátricos e nos manicômios judiciários brasileiros. A reportagem também não informa aos telespectadores da TV Correio que a resolução 487 estabelece que estas pessoas devem ser assistidas pela Rede de Saúde Mental, do município e do estado, pra que sejam devidamente tratadas, cuidadas. A reportagem também esconde o desmonte na Rede de Saúde Mental, que está acontecendo em João Pessoa, por parte da atual gestão da prefeitura. A jornalista Polyanna Gomes, em matéria publicada pelo Brasil de Fato Paraíba, em 2023, revela dados preocupantes sobre isso: leia aqui.

O policialesco Correio Verdade deveria ter mostrado o desmonte da saúde mental em João Pessoa

O policialesco Correio Verdade deveria ter mostrado o desmonte da saúde mental em João Pessoa - o que dificulta ou não permite que pessoas com transtornos mentais recebam o tratamento adequado, e cobrado da Prefeitura de João Pessoa que cumpra com a sua responsabilidade. Porém, o policialesco optou em desinformar e colocar medo na população, defendendo um discurso de encarceramento e punitivismo, ocultando a realidade nem tão distante dos manicômios e hospitais psiquiátricos na Paraíba e no Brasil, onde as pessoas eram torturadas, encarceradas e morriam, abandonadas.

Em tempo: o CNJ prorrogou o prazo para que os hospitais psiquiátricos de custódia no Brasil encerrem suas atividades. Aqui neste link tem todas as informações: acesse.

*Mabel Dias é jornalista, associada Intervozes, observadora credenciada do Observatório  Paraibano de Jornalismo , coordenadora adjunta do  Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (FINDAC), mestra em Comunicação pela UFPB e doutoranda em Conunicação pela UFPE. Autora do livro “A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional (editora Arribaçã).

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB
 

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Edição: Carolina Ferreira