Paraíba

Coluna

Consciência sobre mim, de onde eu vim e aonde quero chegar

Laila Pereira, autora deste texto. - Foto: Arquivo pessoal.
Fui percebendo os lugares que não me cabiam e me aquilombando em grupos que me fortaleciam

Por Laila dos Santos Pereira* 

Meu nome, Laila Pereira. Compartilho um somatório de vivências e sobrevivências de três décadas que construíram a minha história. Sou filha da mineira Nilza com o paraibano José e irmã gêmea de Letícia. Nasci em São Paulo, numa periferia da zona sul, onde vivi uma maravilhosa infância e adolescência. Na minha casa, amor e educação foram as melhores formas de proteção que eu tive, pois do lado de fora o mundo se apresentava inclemente ao nosso contexto de vida. 

Meus pais concluíram os estudos apenas em nível médio. Sempre trabalharam em empregos subalternos, ela com serviços domésticos, ele em metalúrgica até se tornar comerciante. Por meio de suas lutas como trabalhadores, sempre nos ensinaram sobre valores humanos, consciência de classe e a importância de estudar. Dessa forma, nos impulsionando a ultrapassar barreiras e avançar ciclos que infelizmente eles não puderam por limitações socioeconômicas.

Estudei integralmente em escola pública. Durante o ensino fundamental frequentei uma escola estadual muito boa, porém longe da minha casa porque as escolas mais próximas não tinham boa reputação, além de uma realidade marginalizada. Apesar do sacrifício de enfrentar a distância, eu amava aquela escola e de fato foi um diferencial tê-la escolhido. Fiz vestibulares para escolas técnicas e conquistei vagas para ensino médio e ensino técnico em química. Meu sonho era ser cientista, sempre tive o coração dividido entre química e biologia. Nessa época, eu precisava de ônibus e metrô para cursar o técnico em química no período da noite, longe de casa, quase no extremo sul da cidade. Sentia que estava me tornando adulta buscando minhas formações profissionais. 

Fui contemplada pela política de cotas raciais seguindo os critérios socioeconômicos e de escolaridade pública.

O próximo grande passo foi para o ensino superior, sonhando com uma universidade pública. Não se realizou pela Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), mas consegui pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Dessa vez, fui ainda mais longe: Universidade Federal da Paraíba, o maior desafio da minha vida. Completei maioridade e já tinha todas as responsabilidades de morar sozinha, longe de casa, família e amigos. O que mais ouvia nessa fase foi "você é muito corajosa", tanto pelo que eu tinha a ganhar quanto a perder. Afinal, a cada escolha, há uma renúncia. Fui contemplada pela política de cotas raciais seguindo os critérios socioeconômicos e de escolaridade pública. 

Sou mulher, negra, periférica, candomblecista, expresso com orgulho a minha identidade, por isso frequentemente me deparo com barreiras impostas pelo racismo estrutural e patriarcado em espaços que almejo ocupar.

O acesso à universidade não foi a maior dificuldade, visto que sempre fui estudiosa e determinada. No entanto, o contexto de uma universidade pública requer um desenvolvimento dos discentes em muitos as aspectos a partir de oportunidades que na maioria das vezes não são democráticas, envolvendo ensino, pesquisa e extensão universitária. Sou mulher, negra, periférica, candomblecista, expresso com orgulho a minha identidade, por isso frequentemente me deparo com barreiras impostas pelo racismo estrutural e patriarcado em espaços que almejo ocupar. No ambiente acadêmico não foi diferente, tive que lidar com situações de preconceito desde a residência universitária, onde por intolerância religiosa pessoas tentaram me prejudicar, até esferas da representação estudantil e grupos de pesquisa que havia segregação de forma velada.

Fatores como esses me desanimaram ao ponto de abalar minha saúde mental, pois eu não tinha uma rede de apoio naquela cidade. Graças aos esforços dos meus pais, eu pude voltar para casa em São Paulo durante as férias, também em greves e na pandemia da Covid-19, assim periodicamente eu confortava a saudade e obtinha energia para continuar. A chegada da minha cachorrinha Ágata na minha vida também preencheu meus dias de maneira indescritível, tenho a melhor companheira para tudo.


Ágata e Laila. / Foto: Arquivo pessoal.

Me envolvi com o projeto de identidade afro-brasileira do Centro de Ciências Agrárias (CCA/UFPB) que por anos me possibilitou experiências extraordinárias com pessoas do movimento negro na luta antirracista e empoderamento afro em escolas, comunidades e quilombos.

Com tempo descobri a me reinventar nas adversidades e buscar motivações para seguir. Fui percebendo os lugares que não me cabiam e me aquilombando em grupos que me fortaleciam. O Ilê Axé Babá Obá Igbo se tornou meu porto seguro, me conecto à minha ancestralidade sob os cuidados do meu Babalorixá Antunes Caldas. Cuidar da minha espiritualidade me dá coragem para desbravar o mundo. Me envolvi com o projeto de identidade afro-brasileira do Centro de Ciências Agrárias (CCA/UFPB) que por anos me possibilitou experiências extraordinárias com pessoas do movimento negro na luta antirracista e empoderamento afro em escolas, comunidades e quilombos. Apreciar a cultura e lugares do Nordeste também me trouxe sensação de pertencimento, tenho paixão pela Paraíba tanto por minhas raízes familiares quanto pelo estilo de vida. 


"Apreciar a cultura e lugares do Nordeste também me trouxe sensação de pertencimento." / Foto: Arquivo pessoal.

Me formei em Química Bacharelado e escolhi seguir carreira acadêmica, partindo para minha próxima realização que foi o mestrado. Atualmente, sou mestranda em Química Medicinal na Universidade Estadual da Paraíba, com pesquisa na área de produtos naturais. Resido em Campina Grande conciliando estudos e trabalho, pois infelizmente no programa da pós graduação não há bolsa para todos, mas isso não me impediu de lutar como sempre fiz para realizar meus sonhos. Sou grata a minha espiritualidade por abrir meu caminhos, tenho a liberdade e as oportunidades que meus antepassados não tiveram, então sinto que estou honrando com eles ao chegar aonde eu cheguei e ainda pensar em ir além, lutando e confiando no meu axé.

Para saber mais

TORRES, Haroldo da Gama; PAVEZ, Thaís Regina; GOMES, Sandra; BICHIR, Renata Mirandola. Educação na Periferia de São Paulo: ou Como Pensar as Desigualdades Educacionais. Workshop Neighborhood effects, educational achievements and challenges for social policies. Rio de Janeiro (2006).

SANTIAGO, Bruna. O Pensamento de Angela Davis: Perspectivas de Liberdade e Resistência. Editora Letramento, 2021.

DAXENBERGER, Ana Cristina Silva; SOBRINHO, Rosivaldo Gomes Sá. Identidade Afro-brasileira e Enfrentamento do Racismo: Construindo Novas Relações Sociais. Debates em Educação. v. 11, n. 23, Jan./ Abr. (2019)

*Laila Pereira, 28 anos. Graduada em Química Bacharelado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mestranda em Química Medicinal na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), admiradora da fauna e flora brasileira, buscando meu espaço na ciência e no mundo.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB. 

***Este relato faz parte de uma série da coluna "História Pública & Narrativas Afro-Atlânticas", do NEABI-UFPB, com o objetivo de trazer histórias de estudantes que entraram na universidade por meio das políticas de cotas (graduação, mestrado, doutorado). Leia o primeiro texto da série aqui.

Confira outros relatos da série

: Não estou me perdendo para o mundo, eu estou descobrindo o mundo :

: Minha história não é uma história de ninar...:

: Minha trajetória e as políticas de incentivos ao ensino superior :

: Experiência da audácia: trabalho, vida acadêmica e ativismo político :

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Edição: Carolina Ferreira