A mortalidade de nossos jovens transcende a esfera da criminalidade
Por Joana Ribeiro*
No dia 15 de setembro de 2024, os noticiários da Paraíba destacaram um novo episódio de violência: "Jovem é morto com disparos de arma de fogo durante festa em praia em Pitimbu” e “Informações indicam que a vítima não tinha envolvimento com o mundo do crime, embora um amigo próximo esteja ligado a uma facção. A situação está sendo investigada.” Sem espaço para uma contra-notícia, a palavra “embora” ganha um peso desproporcional, e a dúvida rapidamente se transforma em certeza. Assim, surgem especulações e conotações sobre uma possível conexão do jovem com o tráfico de drogas e, por conseguinte, com facções criminosas.
A mortalidade cotidiana dos jovens pardos e pretos das periferias urbanas brasileiras é uma tragédia que frequentemente é escondida sob o véu da banalização social e também política. Essa questão não apenas desencadeia uma crise de justiça e equidade, mas também evidencia a ausência do Estado na proteção e na promoção de políticas públicas que enfrentem a violência urbana e que oportunizem aos jovens dias melhores em suas comunidades. Me pergunto diariamente por onde anda os mecanismos de políticas públicas para a juventude em nossos estados/municípios? Cadê o Estatuto das Juventudes?
Segundo o Atlas da Violência, em 2022, foram registrados 46.409 homicídios no Brasil. Dentre esses casos, 76,5% das vítimas eram pessoas pretas e pardas, e 55,6% das mortes ocorreram entre jovens homens de 15 a 19 anos. Além disso, o IBGE registra que a Paraíba apresenta o 4º maior percentual do Brasil de jovens que não estudam nem trabalham, com uma taxa superior à média nacional de 25,8% e à média do Nordeste de 33%. Esses números são perturbadores e revelam de forma crua e dura a profunda desigualdade social e a discriminação, evidenciando que não é apenas uma questão de estatística, mas um reflexo de um sistema que falha em proteger aqueles que mais precisam.
Muitas vezes banalizamos essa realidade, descrente de um futuro mais promissor, tratando-a como um “fato” quase que inevitável para os moradores de áreas marginalizadas
A violência que tirou o jovem Samuel Lima, e tantos outros jovens negros em nossa cidade, devasta as famílias das comunidades e não como um evento isolado, mas como parte de um ciclo contínuo que é, em muitos casos, legitimado e perpetuado pela inércia política e pela falta de ação governamental. Infelizmente, muitas vezes banalizamos essa realidade, descrente de um futuro mais promissor, tratando-a como um “fato” quase que inevitável para os moradores de áreas marginalizadas, como se o ciclo de violência fosse uma condição intrínseca das periferias, e não o resultado de um complexo entrelaçamento de negligência e de injustiça estrutural.
Políticos e burocratas em nível de rua, aqui representados pelas polícias, agentes de saúde, assistentes sociais entre outros, por sua vez, agem como se essa banalização fosse uma licença para omissão, indiferentes à realidade, falham em implementar políticas públicas robustas que poderiam mitigar a violência e promover um tão sonhado Estado de Direito. Em vez disso, as medidas adotadas são frequentemente superficiais ou voltadas para a manutenção do status quo, que não se dão o trabalho de abordar as raízes profundas da violência.
Essa falha resulta em um sofrimento imenso e duplo, particularmente para as mães das vítimas, pois essas mulheres não apenas enfrentam a dor insuportável da perda de seus filhos, mas também são forçadas a lidar com a negligência governamental
Este Estado, cuja função primordial deveria ser garantir o amparo e a segurança de todos os cidadãos, especialmente dos mais vulneráveis, falha em proporcionar a proteção necessária. Essa falha resulta em um sofrimento imenso e duplo, particularmente para as mães das vítimas, pois essas mulheres não apenas enfrentam a dor insuportável da perda de seus filhos, mas também são forçadas a lidar com a negligência governamental que falha em criar um ambiente seguro para suas famílias. E não só, a dor dessas mães é intensificada pela falta de uma resposta adequada às suas demandas e pela persistência da violência, que continua a ceifar vidas e deixar cicatrizes profundas para elas e para as suas comunidades.
A mortalidade de nossos jovens transcende a esfera da criminalidade, inserindo-se na esfera da injustiça social, na descrença e na falência do Estado. Enfrentar essa questão exige mais do que palavras vazias e promessas não cumpridas, requer uma reavaliação profunda das políticas públicas, um compromisso sério com a justiça e com a vontade genuína de romper com o ciclo de violência que devastam vidas.
Contudo, é fundamental que, como sociedade, exigirmos uma mobilização efetiva para combater as desigualdades, o racismo, a misoginia e outras formas de violência. Precisamos acolher as mães que, além de enfrentarem o luto e a perda, continuam a pagar um preço ainda mais alto pela ausência de um sistema que deveria protegê-las e às suas famílias. O sofrimento dessas mulheres é um grito de alerta que nos convoca a agir, a nos unir e repensar a nossa sociedade em um lugar onde as oportunidades, a justiça e a segurança sejam uma realidade para todas nós.
*Joana Ribeiro é bacharela em Administração Pública pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Aluna especial do curso de Pós-Graduação de Gestão Pública e Cooperação Internacional/UFPB. Mãe da Coletiva Pachamá. E-mail: [email protected]
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Edição: Carolina Ferreira