O Grupo de Trabalho pela Saúde Mental (GT), vinculado à Defensoria Pública do Estado da Paraíba (DPE-PB), elaborou um dossiê com diversos documentos que retratam a atuação do GT, como também publiciza as demandas e solicitações enviadas por meio de ofícios à Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP), mas que não foram atendidas, resolvidas ou tiveram respostas evasivas.
De acordo com o dossiê, de agosto de 2023 a junho de 2024 foram emitidos 20 ofícios, sendo oito à Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa (SMS); sete aos Centros de Atenção Psicossocial (Caps); um ao Pronto Atendimento em Saúde Mental; e quatro ao Conselho Municipal de Saúde (CMS).
Com a elaboração do dossiê, foi feita a tentativa de entrega à PMJP em uma reunião com o secretário de Gestão Governamental de João Pessoa, Diego Tavares, que ocorreu em agosto de 2024, no qual o prefeito Cícero Lucena (PP) havia sido convidado, entretanto, designou Tavares para participar. “Nessa ocasião, as defensoras que atuam no GT, além da defensora pública Madalena Abrantes, foram entregar o dossiê [ao secretário] e, por duas vezes, ele se recusou a receber. Então, esse produto que tem plano de ação, que tem uma série de documentos, não foi recebido pelo secretário. E isso é muito grave”, conta Ludmila Correia, coordenadora Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania da UFPB (LouCid) e representante do Coletivo Antimanicomial em defesa da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) no GT pela Saúde Mental.
“A gente está falando de uma relação institucional da Defensoria Pública do Estado, que é um órgão do sistema de justiça, tentando dialogar com a PMJP, na defesa de direitos humanos das pessoas com transtorno mental, que precisam ter uma rede de saúde mental qualificada”, acrescenta Ludmila. Após essa reunião de agosto, o coordenador de saúde mental da PMJP, Jean Paulo G. Dantas, se comprometeu a participar da próxima reunião que aconteceu neste mês de setembro, mas conforme relatos, não houve justificativas para o seu não comparecimento. Já Tavares afirmou que marcaria nova reunião com o secretário de saúde em 15 dias e não deu retorno.
Em 22 de agosto de 2023, uma reportagem da jornalista Polyanna Gomes, publicada no Brasil de Fato Paraíba (BdF-PB), expôs a denúncia sobre perseguições, precarização das estruturas e descaracterização do objetivo dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) de João Pessoa. Passados pouco mais de um ano da matéria, a situação ainda é bem parecida.
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Criado após audiência pública, realizada em 25 de setembro de 2023, o GT entrou em atuação com o objetivo principal de promover diálogo entre sociedade civil e o poder público municipal de João Pessoa. Entretanto, conforme relata Ludmila Correia, o Município deixou de comparecer às reuniões. O dossiê relata que Jean Paulo G. Dantas se retirou do grupo de WhatsApp do GT, o que segundo o documento “corresponde a saída da própria Prefeitura do Grupo de Trabalho, demonstrando o total desinteresse e a negligência com essa pauta de tamanha relevância aos cidadãos.”
Em busca de estabelecer reuniões colaborativas, a fim de cumprir o propósito das portarias municipais sobre o funcionamento das Raps, as principais demandas do GT foram, por exemplo: saber sobre a aplicação dos recursos que são destinados à Raps, discriminando os valores destinados a cada setor; possibilidade de realização de concurso público; convite para participação de reuniões; solicitação de dados epidemiológicos e sociais que embasaram a decisão de transferir o Caps AD III David Capistrano da Costa Filho do bairro do Rangel, antigo local, para Tambauzinho, onde atualmente é localizado.
Outros documentos que o BdF-PB teve acesso, mostram a preocupação das entidades e militantes que lutam em defesa da Raps acerca da mudança territorial do Caps AD David Capistrano, uma vez que havia um público que desde 2010 era atendido no bairro do Rangel, e uma dúvida começou a rondar: como iriam se deslocar do Rangel, bairro periférico de João Pessoa, para Tambauzinho? Nesse sentido, o dossiê também traz a tentativa de diálogo sobre uma lei de passe livre aos usuários.
A enfermeira e residente em saúde mental, ligada à Residência Multiprofissional em Saúde Mental da UFPB da UFPB, Brena Meira, comenta sobre essa mudança de endereço: “O Caps estar em Tambauzinho já é um erro técnico gravíssimo, porque os Caps não são construídos nos territórios de maneira aleatória, ou por disponibilidade de espaço...são construídos com base em estudos epidemiológicos que calculam quantidade de sujeitos que necessitam daquele tipo de atendimento por área. O Caps Tambauzinho não tem justificativa real para estar naquele lugar, até porque tem o Caps AD Jovem Cidadão [sob gestão estadual] a poucas ruas dele. Quanto ao atendimento, existe...precário...as oficinas são feitas no refeitório, porque não foi pensado, em sua construção, a necessidade de espaços coletivos. O Caps AD David Capistrano tem estrutura de ambulatório."
Segundo a residente, no Caps AD David Capistrano, atualmente, tem três pessoas acolhidas, no entanto, deveria acolher até dez. “Não tem estrutura nem pessoas qualificadas para essa acolhida. A porta de entrada tem uma grade com cadeado, quem entra só sai com permissão, isso diz muito sobre o tipo de cuidado ofertado”, pontua.
Rede de Atenção Psicossocial de João Pessoa
De acordo com a SMS-JP, a Raps é composta por quatro Centros de Atenção Psicossocial (Caps): Caps III Caminhar, Caps Gutemberg Botelho, Caps AD III David Capistrano da Costa Filho e Caps Infantojuvenil Cirandar. Também compõem a rede o Centro de Referência e Cuidado à Vida, o Pronto Atendimento em Saúde Mental (PASM), a Unidade de Acolhimento Infantil (UAI), três residências terapêuticas e leitos em hospitais gerais (adulto e pediátrico).
“Os Caps Gutemberg Botelho e Caminhar oferecem cuidados para pessoas com sofrimento ou transtorno mental severo e persistente. Já o Caps AD David Capistrano atende pessoas com sofrimento mental em decorrência do uso prejudicial de álcool e outras drogas, enquanto o Caps Infantojuvenil Cirandar atende crianças e adolescentes, de três até 18 anos incompletos, que apresentem transtornos psicóticos, neuróticos ou sofrimento mental em decorrência do uso de álcool e outras drogas”, informa a SMS.
No entanto, há precarização nos serviços ofertados e que se distanciam do chamado cuidado em liberdade. “Os Caps de João Pessoa foram todos reformados. Para uma pessoa leiga, como é a equipe técnica que cuida dos Caps, eles estão ótimos, porque estão pintados, colocaram grama. Têm móveis novos, cadeirinhas novas. Então, para quem não tem conhecimento técnico do cuidado em liberdade, das portarias que norteiam os cuidados em saúde mental, eles estão ótimos, mas para quem sabe das necessidades dos indivíduos, as questões de subjetividade a necessidade dos cuidados dos territórios sabem que todos estão uma porcaria [sic]”, salienta a residente Brena Meira.
Brena aponta ainda alguns problemas do Caps AD David Capistrano, são eles: "funcionamento com portas fechadas com controle de quem entra e sai (cadeado no portão); a maioria da equipe não sabe realizar manejo de crise, sobrecarregando os poucos profissionais que sabem atender em crise; equipe sem educação permanente em saúde; reuniões de equipe sem direcionamento e encaminhamentos resolutivos, como também sem monitoramento das decisões; falas punitivas dos profissionais com os usuários(as), como, por exemplo, só almoçar se chegar na hora de dar o nome; gestora do serviço desconhece a política de saúde mental e os seus desdobramentos na execução; e alimentação precária", relata.
Com a pintura dos Caps, foi retirado as artes feitas pelos indivíduos cuidados no Caps Gutemberg. “Eu recebi um áudio dizendo: ‘Está tudo pintado, não está melhor do que a bagunça que estava antes?’ A bagunça que dizem que estava antes, era a pintura dos usuários nas paredes. Arteterapia não é bagunça, é expressão, é terapêutico, então, apagaram toda a memória do serviço nas artes que os indivíduos pintaram nas paredes e, essas artes, tinham todo um significado, inclusive afetivo para essas pessoas que tinham o cuidado lá. Então assim, se a gente for pegar as portarias que regem o cuidado em saúde mental, que regem o funcionamento de um Caps e olhar para a estrutura do Caps, a gente vai ver que nenhum condiz com o que deve ser, é tanto que assim que tem outros serviços, inclusive da Prefeitura de João pessoa, como a residência terapêutica que não está habilitada, a unidade de acolhimento no Cristo que não está habilitada, por que não está habilitada? Uma casa ótima, estruturada maravilhosa, mas dentro não tem o trabalho que é preconizado”, afirma Brena.
Quem faz parte do GT pela Saúde Mental?
O GT pela Saúde Mental é composto pela Defensoria Pública do Estado da Paraíba, pela Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba, por meio da coordenação de atenção psicossocial, pela SMS-JP, que de acordo com o Ludmila Correia está ausente nos últimos seis meses, pelo Movimento de Usuários, Familiares e Amigos da Raps (Mufaraps), pela Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) (ANPSINEP), pela Residência Multiprofissional em Saúde Mental (Resmen/UFPB), pelo Grupo de pesquisa e extensão Loucura e Cidadania da UFPB, pelo Coletivo Antimanicomial em defesa da RAPS de João Pessoa, pelo Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Crefito) e pelo Conselho Regional de Psicologia da 13ª Região-PB (CRP-13).
Leia o dossiê na íntegra.
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Edição: Heloisa de Sousa