Para o processo eleitoral deste ano, foram registradas mais de 3 mil candidaturas LGBTQIA+
Por Amábile Felix de Aquino*, Miró Miranda Tosaka Soares** e Xaman Minillo***
Pela 14° vez consecutiva, o Brasil segue sendo o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ em todo o mundo, mostrando um cenário de insegurança e violência para essa parcela da população. No contexto eleitoral, a prática de violência contra seus corpos não é diferente. Muitas candidaturas refletem a LGBTfobia presente na sociedade e perpetuam as práticas discriminatórias que dificultam a ocupação de espaços dentro da política por essas pessoas. As disparidades que marcam o âmbito da disputa eleitoral fazem com que, além das barreiras comuns a outras candidaturas, pessoas LGBTQIA+ precisam lutar contra a deslegitimação de sua existência política.
Apesar das constantes tentativas de silenciamento, a presença de candidaturas LGBTQIA+ nas eleições de 2024 aponta para avanços. No último pleito de 2020, das mais de 500 mil candidaturas, apenas 522 candidatos eram da comunidade, segundo o levantamento da Aliança Nacional LGBTQIA+. Já para o processo eleitoral deste ano, foram registradas mais de 3 mil candidaturas LGBTQIA+, de acordo com o Painel de Candidaturas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Essa é a primeira vez que esses dados são coletados oficialmente por um órgão público, outro passo de extrema importância para a comunidade.
As dificuldades enfrentadas por esses indivíduos não se limitam ao período de candidaturas, mas persistem após as eleições. Aqueles que conseguem se eleger frequentemente não conseguem exercer plenamente seus mandatos, pois as ameaças e violências estão presentes em seu cotidiano. Essa situação se agrava ainda mais quando analisamos a realidade das pessoas trans em cargos eletivos. Exemplo disso foi a ocorrência denunciada por Filipa Brunelli (PT), primeira vereadora trans de Araraquara (SP) que pensou em desistir da política logo nos primeiros meses de mandato após sofrer ameaças de morte. Infelizmente, essa não é uma exceção, mas uma realidade para todes as 28 vereadoras trans eleitas em 2020, muitas das quais já tendo relatado ter sofrido algum tipo de violência ou ameaça.
A cidade de João Pessoa nunca elegeu representantes LGBTQIA+ para a Câmara Municipal. A falta de representatividade é tão evidente que, ao pesquisarmos por “LGBTQIA+” e “Vereadores de João Pessoa” online, a primeira notícia que aparece é a aprovação de um projeto de lei que proíbe a participação de crianças em eventos LGBTQIA+ por essa mesma câmara¹. No ano passado, a Secretaria da Mulher e Diversidade Humana (SMDH-PB) divulgou um relatório alarmante sobre 68 mortes violentas de pessoas LGBTQIA+ na Paraíba entre 2017 e 2022. E, no entanto, a prioridade dos legisladores municipais não foi buscar soluções para essa problemática. Pelo contrário, atacaram os direitos LGBTQIA+.
Apesar de ainda representar apenas 1% de todas as candidaturas da Paraíba, o aumento da representatividade dentro desse cenário torna as perspectivas mais positivas para as eleições de 2024
O ano de 2024 pode alterar o cenário da política paraibana, que atualmente tem um legislativo heteronormativo. As candidaturas já apresentam um marco histórico de maior representatividade LGBTQIA+ dentre os candidatos. Há, segundo o TSE, mais de 100 candidatos LGBTQIA+, sendo 38 trans, 22 gays, 20 lésbicas, 14 bissexuais, 5 assexuais e 2 pansexuais. Apesar de ainda representar apenas 1% de todas as candidaturas da Paraíba, o aumento da representatividade dentro desse cenário torna as perspectivas mais positivas para as eleições de 2024, pois o aumento dessas candidaturas pode ter como resultado o aumento da representatividade LGBTQIA+ nas câmaras eleitorais paraibanas.
Segundo o Observatório da Violência Política e Eleitoral da Unirio, já foram registrados 173 casos de violência contra candidatos, dos quais 12 ocorreram na Paraíba
Salientamos, no entanto, que segundo o Observatório da Violência Política e Eleitoral da Unirio, já foram registrados 173 casos de violência contra candidatos, dos quais 12 ocorreram na Paraíba, posicionando o estado em sexto lugar nesse ranking. Esses dados não diferenciam a violência contra candidatos LGBTQIA+, mas indicam um agravamento significativo em relação ao ano passado. Embora tenhamos alcançado recordes em diversidade e inclusão política em termos de candidaturas em 2024, esses números evidenciam o crescimento da violência, que se configura como um problema a ser enfrentado.
A inclusão de comunidades marginalizadas de forma democrática é inviável quando a violência, muitas vezes extrema, como assassinatos, impede a participação dessas populações na política. A importância da questão foi salientada quando, no dia 29 de setembro, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, anunciou a criação do Observatório Permanente Contra a Violência Política. É fundamental lutar não apenas pela inclusão, mas também pela promoção da diversidade nas propostas políticas, e especialmente de uma política mais pacífica. O aumento da diversidade dentro das câmaras legislativas é importante e significativo, entretanto, não podemos perder de vista que ainda há um dificultoso caminho pela frente para que possamos progredir de forma verdadeiramente democrática.
Notas
¹ Questão já discutida no BdF-PB, no artigo O uso das crianças para cercear a cidadania brasileira.
*Amábile Felix de Aquino é estudante do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e membro do projeto de extensão Diálogo GENERI - Diálogo de Gênero nas Relações Internacionais.
*Miró Miranda Tosaka Soares é um estudante do curso de Relações Internacionais da UFPB, focado na pesquisa de políticas indigenistas e seu impacto nas relações internacionais. Atuou no Grupo de Extensão IDeF, explorando temas de economia solidária e sustentabilidade, refletindo seu compromisso com a justiça social e a promoção de práticas sustentáveis na região Nordeste. Atualmente é membro do projeto de extensão Diálogo GENERI - Diálogo de Gênero nas Relações Internacionais.
*Xaman Minillo é docente e coordenadora do curso de graduação em Relações Internacionais da UFPB, membro do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais – PPGCPRI UFPB. Trabalha com temas de políticas sexuais e de gênero, estudos queer e decoloniais, feminismos e ativismos LGBTQ+ africanos e indígenas. Coordena o grupo de estudos de Políticas Sexuais Internacionais – PoliSexI, e é responsável pelo projeto de extensão Diálogo GENERI - Diálogo de Gênero nas Relações Internacionais. Contribui para a promoção da igualdade de gênero na comunidade acadêmica em suas pesquisas, aulas, e como membro do grupo MulheRIs e co-coordenadora da Rede Latino-Americana MulheRIs+MujeRIs.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Paraíba.
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Edição: Carolina Ferreira