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Um passarinho me contou: conjuntura e segundo turno

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"Seja qual for o desfecho, o cenário já é de desolação. E a floresta, essa, fica ali, quieta, esperando." - Ilustraçção: Elizabeth Gould/Freepik
A prática política tem semelhanças em vários lugares

Por Joel Martins Cavalcante*

Caro leitor, senta aqui e me escuta um pouco, porque essa história ouvi na segunda-feira, dia 07, de um passarinho que pousou em uma das plantas de minha varanda, e me vendo com o semblante triste, perguntou o motivo. Eu disse que o resultado da eleição no dia anterior, que eu tinha trabalhado até como mesário, me deixou daquele jeito. Ele disse ser um sentimento normal e passou a relatar o resultado eleitoral do local onde morava, numa cidade da Selva, um cantinho perdido no meio das matas fechadas.

Ele contou que tinham quatro candidatos disputando o posto de prefeito. Na arena política, tinha o Partido da Floresta, que – como o próprio nome diz – defende a floresta! O coitado do candidato deles não teve apoio de boa parte da direção partidária. A desconfiança em relação a ele, que já governou aquela região, é que seu histórico partidário não é tão lindo.

O passarinho disse que votou no florestista, apesar que muitos dos militantes resolveram apoiar, já no primeiro turno, o cara do Partido da Chama. Esse partido tem uma proposta que é meio assim: “A gente explora a floresta, mas jura que no fundo, bem no fundo, gosta dela”. E não é que o governador da Selva, que é do Partido da Floresta Moderado ao Centro, estava por trás desse apoio? O resultado, você já pode imaginar: o candidato florestista acabou em quarto lugar e declarou neutralidade no segundo turno.

Em terceiro lugar, de acordo com o passarinho, ficou o candidato do Partido da Madeira. Olha, esse tinha experiência eleitoral! Já disputou outras vezes e todo mundo jurava que ele ia deslanchar, pelo menos chegar ao segundo turno. Afinal, sua proposta era mais “equilibrada”: cortar madeira e plantar também! Aquela coisa mata e cura. Mas não vingou na mente e coração dos eleitores.

E o segundo turno? Ah, leitor, é aqui que a narrativa fica mais interessante. O candidato do Partido da Chama, que as pesquisas já davam como eleito no primeiro turno, viu-se obrigado a enfrentar o candidato do Partido do Fogo. O foguista tem uma proposta simples: “taca fogo em tudo e vamos ver o que sobra”. Exploração sem freio. Quando seu partido governou a nação houve caos geral em todas as áreas, sobretudo durante uma epidemia sanitária que matou milhares de seres vivos, levando parentes e amigos do passarinho, que relatou o fato com lágrimas nos olhos.

O passarinho num tom revoltado disse que os militantes do Partido da Floresta, que estavam desinteressados no primeiro turno e até largaram o próprio candidato, de repente, ressurgiram das cinzas. E sabe para apoiar quem? O candidato do Partido da Chama, o que explora a floresta, mas, com moderação. O fato do governador da Selva apoiar e a possibilidade de barganhar alguns cargos pesou na decisão.

Ah, e o candidato da Madeira? Declarou voto no Fogo. Perguntei o motivo ao passarinho. Ele relatou que o madeirista foi impedido de entrar em alguns locais da floresta porque os contrabandistas de madeira, minério e aves raras tinham fechado apoio com o chamista.

Enquanto isso, prossegue o passarinho, muita gente que disputou vaga para representante legislativo e que milita em defesa da floresta, não vai apoiar ninguém. Dizem que tanto faz, que é tudo a mesma coisa, seis por meia dúzia. E olhando para o futuro, você até entende, me disse, ressaltando que não importa quem vença, os rios continuam sendo poluídos, a floresta a ser derrubada, os bichos a perder espaço. A mobilidade da fauna, já escassa, vai piorando. O desmatamento avança, e a selva, que era verde e viva, vai virando cinza, terra seca.

Ele chegou mais perto de mim, pousou no meu ombro, e finalizou dizendo que na selva que um dia foi verde, mas que agora está nas mãos daqueles que veem nela apenas uma oportunidade de lucro. Seja qual for o desfecho, o cenário já é de desolação. E a floresta, essa, fica ali, quieta, esperando.

Cantou um canto triste. Bicou minha cabeça num gesto de carinho e voou. Fiquei pensando como a prática política tem semelhanças em vários lugares.

*Joel Martins Cavalcante é professor de História da rede estadual de ensino da Paraíba, membro da diretoria do SINTEP-PB e CUT-PB e militante dos Direitos Humanos e do Movimento Brasil Popular.

**A opinião contida neste texto não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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Edição: Carolina Ferreira