Paraíba

INTOLERÂNCIA

Escola privada em João Pessoa é suspeita de prática de bullying e intolerância religiosa

O caso aconteceu em 2023 contra uma criança de 9 anos, na época estudante do Colégio Vila, na Unidade Tambaú

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Uma em cada três crianças no mundo já foi vítima de bullying, como revelou a pesquisa feita pela Unesco, em 2020 - Divulgação/ Agência Senado

Em decisão inédita e unânime, o Conselho Estadual de Educação da Paraíba emitiu parecer favorável à denúncia de bullying e intolerância religiosa contra o Colégio Vila – Unidade Tambaú, em João Pessoa, praticados pela coordenadora pedagógica e um professor da escola. O Brasil de Fato Paraíba teve acesso ao documento, que recomenda à direção do colégio a adoção de medidas que inibam a discriminação religiosa e a prática do bullying dentro da escola.

Um menino, de apenas nove anos, foi vítima dos atos descritos na denúncia, que foi apurada e confirmada, por meio de sindicâncias, realizadas pela Comissão formada pelos conselheiros Fernanda Daniella de França, Marcos de Andrade Segundo e Ronaldo Barbosa Ferreira. 

O caso aconteceu em 2023, mas apenas em agosto deste ano, o Conselho Estadual de Educação, órgão ligado à Secretaria de Estado da Educação da Paraíba (SEE-PB), emitiu o parecer, comprovando as denúncias de bullying e de intolerância religiosa contra a criança. Por respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), vamos usar um nome fictício para fazer referência ao menino.

“Na época, meu filho cursava o 4º ano do ensino fundamental no Colégio Vila. Ele estudou naquele colégio desde o ano 2022 e, desde então, aconteceram episódios de bullying, violência entre as crianças e exclusão entre os alunos da mesma turma em relação ao meu filho. No ano da denúncia em 2023, ao retornar à escola, houve novamente vários episódios de exclusão, nos quais os alunos repetiam: ‘Paulo** aqui, não! Paulo**, não!’. Após alguns episódios, houve reunião com o corpo pedagógico, onde obrigaram que eu comprovasse que estava oferecendo ao meu filho acompanhamento psicológico. Em várias situações, eles solicitaram esse documento, quase que me obrigando. Contestei e solicitei que a requisição fosse feita por escrito, inclusive, com a motivação e justificativa da própria psicóloga da escola. E nunca houve nenhum retorno da escola a esse respeito”, conta a mãe do aluno, que é praticante do candomblé, religião de matriz africana, e ao matricular seu filho no Colégio Vila, repassou essa informação para a coordenação da escola.

A mãe relata que o filho, em um desses episódios, chegou a pedir ajuda à coordenação da escola. “Quando ele se dirigiu à coordenação, quem estava lá era a supervisora pedagógica. Ela ouviu o que meu filho tinha a dizer e começou a dizer a ele, como resposta, falas muito pesadas e intolerantes como: ‘Você está mentindo!’; ‘Mentira é coisa do diabo, do satanás, do capeta, do demônio!’; ‘Aqui pisamos na cabeça do satanás para que ela exploda! É assim que fazemos com a mentira.’; ‘Está escrito na Bíblia que o pai da mentira é o satanás.’  Ela finalizou dizendo: ‘Não me interessa o que aconteceu com você na outra escola! Não vamos tolerar suas atitudes!". Ela se referiu a um problema havido em outra escola, onde meu filho teria sofrido episódios de bullying. Levei o caso para o Conselho Tutelar, que encaminhou a denúncia para a Delegacia da Infância e Juventude. O Conselho Tutelar também requisitou a escuta do meu filho no núcleo de direitos humanos da Defensoria Pública do estado por meio de equipe multidisciplinar de psicólogos e psicopedagogos”, conta.

De acordo com a mãe da criança, em abril de 2023, ocorreu outro episódio de agressão por parte dos profissionais da escola contra o seu filho. “Após buscar Paulo** na escola, até em casa ele foi chorando sem parar, em crise, pedindo para não voltar mais para a escola. Perguntei o que houve e ele relatou que o professor de inglês, novamente, havia gritado com ele, que ele havia se sentido muito humilhado e envergonhado pelo que o professor fez com ele na frente de toda a turma. Paulo** relatou que após uma briga entre ele o coleguinha de turma, que já estava acontecendo desde o início da manhã, ao entrar na sala do professor, viu a criança, que não era o Paulo**, mostrar o dedo do meio ao meu filho e este respondeu com ofensa a criança. O professor, ao ver a situação, pediu que a criança que havia estendido o dedo do meio parasse de chorar e começou a gritar com o Paulo**: 'Cala a boca!'. 'Você vai calar sua boca!'. 'Cala a boca agora!', não deixando meu filho se explicar do porquê havia ofendido em reação à conduta da outra criança. O professor disse na frente de todos os alunos: 'A palavra do Paulo** deverá ser jogada no lixo, e que ninguém deverá dar valor ao que ele diz.'E que ele jogaria tudo que ele disse no lixo'", relata a mãe de Paulo**.

Segundo o parecer emitido pelo Conselho Estadual de Educação, o Colégio Vila não resolveu as situações relatadas pela mãe do menino, e não adotou uma prática inclusiva para com a criança, que teve que sair do colégio privado. “Salientamos que a retirada de uma criança do ambiente escolar representa medida drástica – uma ruptura em sua vida estudantil – que não resolve o problema de relacionamento interpessoal entre os alunos e não resolve a ocorrência do bullying no ambiente escolar, de modo que se faz necessário esforço de toda a escola denunciada para evitar reiterações desse caso”, diz um dos trechos do documento. 

Em relação à conduta da coordenadora pedagógica e do professor de inglês com o aluno, o Conselho Estadual de Educação afirma que as falas da coordenadora, citando a Bíblia, e frases como “mentira é coisa do diabo”, “satanás é o pai da mentira”, “não devem ser ditas a uma criança como forma de julgamento antecipado de sua conduta dentro da sala de aula, já que não resolvem conflitos interpessoais entre alunos e não se coadunam com uma prática pedagógica inclusiva.” 

Já sobre a atitude do professor com a criança, o Conselho recomenda que “o Colégio Vila implemente medidas de capacitação para o seu corpo docente e de funcionários da equipe pedagógica, para que possam solucionar questões de bullying, tendo em vista sua responsabilidade enquanto entidade educacional que tem o dever de estabelecer a cultura da paz para garantir o desenvolvimento educacional de todas as crianças que lá estudam”. No parecer, os conselheiros também afirmam que o Colégio Vila mostra ausência de prática pedagógica efetiva para com a educação inclusiva, com respeito aos direitos humanos, ao direito à diversidade religiosa, nos termos do artigo 26, parágrafo 2º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Por fim, a comissão que apurou as denúncias, faz diversas recomendações, dentre elas, que o Colégio Vila - Unidade Tambaú, faça um plano de ação concreto para implementar, no prazo de 90 dias, ações de combate ao bullying e à intolerância religiosa dentro da escola, pois já existe amparo para ações concretas recomendadas no Regimento Interno da escola, e a realização de cursos de capacitação, no prazo de 120 dias, para o corpo docente e pedagógico sobre bullying e intolerância religiosa, habilitando-os para implementação de ações de discussão, atenção e identificação e prevenção para busca de soluções a estes problemas no ambiente escolar. O Conselho Tutelar Região Praia também acionou o Ministério Público Estadual da Paraíba, por meio da Promotoria de Educação, para apurar o caso. 

Procuramos a direção do Colégio Vila - Unidade Tambaú para saber se as medidas recomendadas pelo Conselho Estadual de Educação já estavam sendo implementadas, se o colégio é uma escola confessional - haja vista que em seu perfil no Instagram há reproduções de músicas religiosas cristãs e cards com frases de igual conteúdo, se a supervisora pedagógica e o professor ainda continuavam trabalhando no Colégio e se crianças de credos religiosos diferentes do adotado pelo Colégio Vila poderiam estudar lá. 

No entanto, o Colégio Vila enviou uma nota, na qual reproduzimos os principais trechos. Leia: 

O Colégio Vila “leva muito a sério o bem-estar e a segurança de todos os alunos e alunas tendo como missão primordial proporcionar um ambiente escolar acolhedor, inclusivo e seguro, onde todos possam aprender e se desenvolver plenamente. Com relação às alegações de que a escola estaria envolvida em práticas de bullying e intolerância religiosa, esta é leviana e irresponsável. É imperioso esclarecer que o colégio não tolera qualquer forma de assédio, intimidação ou discriminação em suas dependências, seja com alunos, colaboradores ou responsáveis. A instituição reitera que possui políticas claras e programas de conscientização contínuos sobre respeito mútuo e convivência saudável entre os alunos, tendo realizado treinamentos periódicos, inclusive com palestras abordando sobre como combater práticas de bullying. Além disso, incentiva os estudantes e suas famílias a se manifestarem, caso presenciem, ou sejam vítimas de qualquer comportamento inadequado. A equipe do colégio está sempre pronta para apoiar e agir de forma imediata e eficaz. No que se refere a filosofia adotada pela escola, reafirma-se que de acordo com o regimento, a escola é fundamentada em princípios cristãos, os quais orientam uma abordagem educacional, valores e atividades diárias. Esclarece-se que, desde o momento da matrícula, todos os pais e responsáveis são informados sobre esses valores e a importância deles na comunidade escolar. Neste sentido, o compromisso é fornecer um ambiente de aprendizado que reflita esses princípios, promovendo o respeito, a tolerância, a inclusão, a integridade e o amor ao próximo.
 
Neste contexto, o colégio reforça que continuará empenhado em promover um ambiente onde o respeito e a empatia sejam valores centrais e trabalhará sempre em conjunto com a comunidade escolar, para garantir que esses princípios sejam mantidos e fortalecidos.”


O Brasil de Fato Paraíba seguirá acompanhando este caso.

*Repórter especial para o Brasil de Fato Paraíba

**Nome fictício


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Edição: Carolina Ferreira