Paraíba

DIA DO MAQUINISTA

Nos trilhos que as linhas de trem de João Pessoa poderiam percorrer

No 20 de outubro é celebrado o Dia do Maquinista Ferroviário no Brasil; leia a reportagem feita por estudantes da UFPB

João Pessoa (PB) |
Estação João Pessoa. - Foto: Carol Borges/@fotoscarolborges.

No coração urbano de João Pessoa, uma linha de ferro traça um percurso entre a cidade, movendo-se entre bairros periféricos e a agitação central da capital paraibana. Surpreendentemente desconhecida por muitos, essa malha ferroviária não apenas existe, mas transporta cerca de 10 mil pessoas todos os dias, em seus 30 km de extensão. Ela é, também, alimentada por uma equipe incansável de indivíduos dedicados, cuja paixão é fazer com que – mesmo retido ao esquecimento por parte da população pessoense – os trilhos sigam cantando com vida e movimento, facilitando a vida dos seus passageiros. Desde os seus primórdios, essa linha de trem tem sido mais do que um simples meio de transporte, ela acaba sendo um testemunho vivo da história da região.

A linha de trem da capital paraibana, ainda quando operada pela Rede Ferroviária Federal S.A (RFFSA), voltou a funcionar com trens de passageiros em 1982, por decisão do então governador do estado, Tarcísio de Miranda Burity. O sistema era denominado “Trem de Subúrbio” e, inicialmente, ligava apenas João Pessoa a Cabedelo, com paradas nos bairros Mandacaru e Jacaré. Em uma fase posterior de revitalização, em 1983, a RFFSA estendeu a rota até Santa Rita, com uma parada em Bayeux. Em 1984, é fundada a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), com o objetivo de melhorar os sistemas de transporte público de trens na cidade, assumindo as linhas antes operadas pela RFFSA em diversas capitais do país, incluindo João Pessoa.

De acordo com o jornalista Everaldo Ricardo, assessor de imprensa da CBTU de João Pessoa, o sistema de trens já foi visto como referencial em um comparativo nacional realizado pelo Fantástico, programa televisivo da Rede Globo no final dos anos 90. Foram eleitos como “o trem nota dez”, superando os sistemas ferroviários de cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. O maquinista relata com orgulho que, apesar do trem ser mais antigo, “era limpinho, tinha sua assiduidade, pontualidade, regularidade, tudo direitinho”.  


Everaldo Ricardo. / Foto: Carol Borges/@fotoscarolborges.

É notável o cuidado e afeto na forma que Everaldo comenta a respeito do trem de João Pessoa, o que se deve aos anos que ele está imerso nesse universo ferroviário. São 40 anos de existência da CBTU de João Pessoa, e Everaldo acompanhou cada um deles. No entanto, sua ligação com os trens não começou com o trabalho, mas de uma tradição familiar: seu pai era maquinista, e alguns de seus tios trabalhavam também na ferrovia. Além disso, desde criança brincava com trens que ele mesmo construía e assim ia alimentando sua paixão por esse meio de transporte. A evolução do deslumbre de uma criança, tornou o trem seu objeto de vida.

O sistema de trens da capital paraibana tem a capacidade de transportar até 600 passageiros por viagem

O transporte ferroviário é amplamente reconhecido por ser uma opção mais sustentável, em comparação a outros meios de transporte como carro e ônibus, devido a sua menor emissão de gases do efeito estufa. Além disso, sua infraestrutura causa menor impacto ambiental, ocupando menos espaço e possibilitando o florescimento da natureza em seus arredores, promovendo assim um desenvolvimento urbano mais sustentável. O Sistema de trens da capital paraibana tem a capacidade de transportar até 600 passageiros por viagem, de acordo com o próprio site da CBTU, assim, um trem é capaz de substituir cerca de dez ônibus. Tendo em vista a necessidade de uma maior fluidez do tráfego, facilitando a mobilidade urbana, o sistema ferroviário em grande escala resultaria em uma redução significativa no congestionamento urbano.

As linhas de trem têm muito potencial de auxiliar toda população pessoense em seus deslocamentos diários, no entanto, a falta de linhas disponíveis é um obstáculo para alcançar maior número de pessoas. Ao longo dos anos, a cidade desenvolveu-se, mas o crescimento não foi acompanhado pela companhia de trens. Recebemos diversos depoimentos de funcionários que expressam um desejo por um cuidado maior por parte do poder público. Uma constatação evidente é o contraste entre o transporte ser bom e eficiente, porém ser negligenciado e esquecido. Gabriela Pio, analista de gestão da CBTU, comenta: “A gente tá precisando de um carinhozinho assim. Tá precisando de uma atenção maior, mas é uma empresa que tem uma grande responsabilidade social de carregar todo pessoal que usufrui nesse trecho”.


"Mesmo trazendo inúmeros benefícios para a população, as linhas estão longe de ser o ideal e não há previsão de melhora", afirmam as autoras desta reportagem. / Foto: Carol Borges/@fotoscarolborges.

A ausência de linhas adicionais pode ser explicada por uma questão de jogo de interesses. O CBTU é uma empresa pública e existe falta de uma visão governamental de expandir o trem para outras linhas. Antigamente, a influência de empresários que financiavam as campanhas políticas afetava a decisão de investir na expansão do sistema ferroviário, já que as empresas estatais não podem financiar tais campanhas.

“A gente não tem um deputado que lute pelo transporte público. Que defenda a CBTU. Que queira melhorar o transporte de uma forma geral. Então aí o governo por sua vez fica atrelado ao que o Congresso e as leis falam sobre as instituições públicas. E isso aí quando tem corte de orçamento, corta logo na gente e as pessoas acham que a culpa é nossa, como se o ‘dono’ daqui estivesse cortando orçamento, o trem tivesse sucateado, ou como se uma estação mal acabada fosse culpa apenas da administração local. E é um caminho muito longo para o recurso chegar aqui. Demora para chegar e as pessoas não estão acostumadas nem a respeitar o horário público, nem o funcionário público. Então acho que a gente precisa trabalhar melhor essa questão das pessoas saberem que a gente tem dificuldades. Tem bastante dificuldade como os outros órgãos e empresas privadas e públicas tem também”, aponta Everaldo.

A incerteza em relação ao futuro da CBTU é uma fonte de preocupação entre os funcionários, já que uma possível privatização pode significar o aumento nas tarifas dos passageiros, demissões de funcionários, pois empresas privadas priorizam o lucro acima de outras questões. Isso poderia dificultar o acesso a um transporte por aqueles que dependem dele em seu cotidiano como única possibilidade. No entanto, Everaldo Ricardo tenta se acalmar diante a situação atual, “O governo Lula fala que enquanto ele for governo ele não vai privatizar a CBTU. Então, a gente tem uma certa tranquilidade. Mas essa turma nova mesmo tem bastante receio”.

O sistema ferroviário operado pela CBTU não é apenas um meio de transporte acessível, é um salvador financeiro para muitos que dependem dos seus serviços. Como destacado por Everaldo Ricardo, as passagens acessíveis, atualmente, custam apenas R$2,50, representam uma economia significativa para aqueles que possuem recursos limitados. Em comparação com os custos exorbitantes do transporte público rodoviário, o trem torna-se a opção viável para aqueles que precisam se locomover de Cabedelo a Santa Rita. Já Gabriela Pio, ao reforçar essa perspectiva, enfatiza a importância do trem para essa população, evidenciando as milhares de pessoas que veem essa linha como uma conexão vital entre as áreas periféricas e o centro da cidade.

Além da instituição proporcionar esse benefício econômico aos usuários, ao debater com trabalhadores da CBTU, percebemos que eles também encontram uma profunda sensação de realização pessoal em servir às comunidades. Eustáquio Dias, o atual supervisor dos maquinistas, descreve vividamente o sentido de propósito que o trabalho na ferrovia traz. Para ele e sua equipe, o trabalho vai além de garantir o sustento, é sobre contribuir para a sociedade, estabelecer laços sociais e se sentir útil. Segundo eles, o senso de realização pessoal que vem ao final de um dia de trabalho bem-sucedido é inestimável, proporcionando uma motivação contínua para servir e cuidar das comunidades que surgiram ao redor dos trilhos.

Essa relação de afeto que existe por parte dos trabalhadores que constituem a CBTU chega até os usuários do trem. Quando questionados sobre o transporte e aquele meio, todos os entrevistados reagiram positivamente. Citaram que o trem está em bom estado, que funciona dentro do horário previsto e que os funcionários de lá sempre correspondem bem. Ainda comentaram que o transporte atende às demandas deles e que seria de muito proveito que as linhas se espalhassem pela cidade. Levaram em consideração nas suas respostas a velocidade que se tem de chegar no local sem aquele trânsito exaustivo, o calor que faz do lado de fora, o conforto de viajar com um transporte climatizado e com um preço mais acessível do que as tarifas atuais de ônibus.

Mesmo trazendo inúmeros benefícios para a população, as linhas estão longe de ser o ideal e não há previsão de melhora. Everaldo Ricardo destacou que “hoje está difícil, porque como a densidade populacional e as obras, as construções se expandiram pela cidade, hoje o custo é muito mais alto pra você. A gente ainda tem esses estudos que têm a possibilidade de a gente ainda chegar no Bessa, beirando o Bessa. E tem espaços ainda que dá pra gente puxar o trem pra lá, mas falta visão de governo. E outra coisa assim, empresário banca campanha, né? Empresa pública não banca. Aí ninguém se interessa de puxar o trem pra lá. O trem podia chegar no aeroporto também, que dá pra entrar, poderia entrar. E pra Valentina, pegando por baixo aqui do Alto do Mateus, mas não tem interesse em público. Não tem interesse em público.” 

Essa realidade da falta de investimento e o desenvolvimento da expansão urbana são peças que se encaixam quando debates sobre investir no aumento da linha vira pauta, mas como Everaldo bem disse, estudos sobre as mais variadas possibilidades são debatidas e quais as melhores formas de implantação de novas linhas são muito bem questionadas. De fato, o desenvolvimento delas não é apenas responsabilidade e trabalho dos funcionários da CBTU, mas de toda uma rede de investimento e financiamento por parte do governo. 

Eustaquio Dias, quando indagado sobre o sistema atual do trem de João Pessoa expressou: "Acho que ele tem atendido a demanda, mas eu acho que tem muita coisa para crescer ainda. Mas nas condições atuais, toda a equipe e a empresa têm feito esforço para melhorar o serviço. E nos últimos dias, com a construção de algumas estações novas, estações modernas, isso tem sido provado.” A estação do IFPB é um modelo dessa nova leva de estações novas e modernas. Essa inovação não ficará restrita apenas ao IFPB, mas sim se estenderá para as demais estações. As melhorias vão para além dessas instalações, estão presentes nos trilhos, nos Veículos Leves Sobre Trilhos (VLTs), na segurança e na monitoração dos trens. Para o sistema de João Pessoa, a CBTU prevê para 2024 a conclusão de seu projeto de modernização com a construção de mais quatro estações, e remodelação das outras doze, completando 16 estações ao todo. Além disso, haverá recuperação da infra e da superestrutura da via permanente (pátios, desvios, automação e sinalização). Tal processo iniciou-se em 2014 com a aquisição de 8 VLTs com 3 módulos cada.

Descobrimos que a CBTU não é apenas sobre trilhos e locomotivas. É sobre pessoas, os operadores dedicados que, dia após dia, mantêm viva essa rede de transporte, apesar dos desafios e da falta de investimento. É sobre os passageiros, cujas vidas dependem desses trens, cujos destinos são moldados pelos horários de partida e chegada. É sobre a essência humana que permeia cada centímetro desses trilhos, conectando comunidades e construindo laços que resistem ao teste do tempo.

*Carol Borges, Débora Luz e Lóren Stayner são estudantes do curso de jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Esta reportagem foi feita na disciplina de Jornalismo Impresso, ministrada pelo professor Carlos Azevedo, no período 2023.2.

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Edição: Carolina Ferreira