Paraíba

Coluna

O jornalismo nas plataformas digitais e o sensacionalismo para noticiar casos de violência envolvendo crianças e mulheres

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"Informar o fato e dar o contexto daquele fato é essencial para o jornalismo", expressa a autora deste artigo. - Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil.
Na era das plataformas digitais, [...] precisamos repensar a velha fórmula do jornalismo

Por Mabel Dias*

Na era dos cliques das plataformas digitais e da busca por visibilidade para se manter em alta, o jornalismo tem adotado o sensacionalismo para ser lido. Essa é a fórmula usada pelo portal Metrópoles, em seu perfil no Instagram. O teórico Nelson Traquina diz que o jornalismo tem um quê de sensacionalista, e que ao divulgar casos sobre violência, carrega ainda mais nas tintas. Na semana passada, o portal publicou em suas redes sociais a notícia que uma criança, de apenas nove anos, havia matado animais em uma fazendinha. Não há, de fato, outro termo a ser usado para descrever o fato, nu e cru, como disse um colega jornalista. 

No entanto, o caso envolve uma criança e é preciso, sim, que nós, jornalistas, tenhamos cuidado ao noticiar um acontecimento como esse. Principalmente, porque envolve uma criança. O Metrópoles continua divulgando o caso, e em uma das postagens usou a palavra “massacre” para se referir ao que ocorreu. Seguindo o exemplo do Metrópoles, outros portais e redes sociais de jornalistas têm reproduzido o ocorrido, de maneira alarmante e sem nenhuma contextualização sobre o por quê isso aconteceu. Como indica o jornalista Leandro Demori, existe o texto e o contexto daquele fato, e é preciso que o leitor compreenda o contexto que envolve aquela criança. Pode ser uma psicopatia que ela esteja desenvolvendo? Porque o Metrópoles não ouviu uma psicóloga sobre isso? Quem são os pais dessa criança? Quais as condições em que ela vive? 

Estamos mergulhados em um mundo que pouco acolhe, pouco respeita, que pouco ama, que está retrocedendo em direitos e conquistas emancipatórias, e as plataformas, por sua arquitetura e o uso de algoritmos, estimulam o discurso de ódio. A pesquisadora e diretora do InternetLab, Mariana Valente, afirma em seu livro Misoginia na Internet, que “Cada escolha de arquitetura produz efeitos sobre como as pessoas conversam nessas plataformas [...] Essas escolhas são também pautadas em que tipo de conteúdo e interação gera mais visibilidade para anunciantes.” E, os comentários de ódio sobre a criança vieram: “Imaginem esse anjinho daqui há uns 8/10 anos em sociedade aberta.” “Mas é só uma ‘criança’, então tá, essa criança vai crescer” “Ele precisa encontrar um pitbull” “Na hora de agir, agiu como adulto, agora na hora de punir é criança. Teve atitude de adulto tem que ser punida como adulto!!!” (emoji de ódio). 

[É preciso] fugir desse lead seco, fechado, cru de só informar o que aconteceu.

A forma sensacionalista que o Metrópoles vem noticiando esse caso em seu Instagram pode causar mais transtornos para esta criança. Se nós, jornalistas, temos como princípio o interesse público e democrático, e queremos provocar algumas mudanças na sociedade, precisamos repensar o modo como estamos noticiando casos assim. Fugir desse lead seco, fechado, cru de só informar o que aconteceu. Informar o fato e dar o contexto daquele fato é essencial para o jornalismo, principalmente por estarmos em uma era de desinformação e discursos de ódio, facilitado pelas plataformas digitais.

Conversamos com a advogada Ana Potyara, da ANDI - Comunicação e Direitos, sobre esse caso. Para ela, a cobertura não mostra ilegalidades ou violação dos direitos da criança. Potyara reforça que é importante compreender o contexto que essa criança vive e a saúde mental dela. “O que está em xeque aí, não é a crueldade, e sim, a saúde mental da criança, é uma questão psicológica, psiquiátrica, o que eles estão pautando é o fato e a tragédia, mas e a origem disso? É importante entender o que há por trás, este é o viés mais adequado de cobertura, e não ser punitivista, que é o que eles estão fazendo, como se fosse a solução. É preciso tratar a saúde mental das crianças também."

Indo para a cobertura dos casos de feminicídio, o Brasil vive um crescimento desse fenômeno e a mídia tem publicado muitas notícias sobre isso. No entanto, para além de chocar e chamar a atenção da sociedade para que se mobilize e cobre do Estado ações efetivas para coibir esse tipo de violência contra as mulheres, é importante que o jornalismo contextualize o por quê dessa violência. Texto e Contexto. Vamos pegar uma matéria sobre uma mulher que jogou ácido no rosto de outra, publicado no g1, em maio de 2024. Além de informar o fato, é importante que o jornalismo identifique os motivos por trás disso. O machismo também afeta a nós, mulheres. É importante que isso seja dito na matéria, ou seja, haja contextualização. Estou sendo repetitiva para que me faça entender.

Jornalista é muito reativo e não gosta quando recebe alguma crítica ou sugestão sobre o seu texto. Isso é natural. Porém, na era das plataformas digitais e da desinformação em que o jornalismo vem perdendo a sua relevância na sociedade e usando a fórmula das plataformas para ainda ser lido, precisamos repensar a velha fórmula do jornalismo, esta fórmula fechada do lead, em noticiar um acontecimento, sem contextualizar, sem analisar o que está por trás de determinado acontecimento. 

*Mabel Dias é jornalista, associada Intervozes, observadora credenciada do Observatório  Paraibano de Jornalismo, mestra em Comunicação pela UFPB e doutoranda em Conunicação pela UFPE. Autora do livro “A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional (editora Arribaçã).

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB

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Edição: Carolina Ferreira