Paraíba

POLÍTICA

Gabriella Benvenutty: uma nova liderança política em João Pessoa

"Acompanhei a contagem de votos, e pensei que ela fosse ser eleita a primeira travesti vereadora em JP", lembra Mabel

João Pessoa (PB) |
Gabriella Kollontai Benvenutty. - Foto: Carol Borges/@fotoscarolborges.

Em sua primeira candidatura a vereadora de João Pessoa, ela recebeu 3.462 votos. Uma votação bastante expressiva para quem concorreu pela primeira vez nas eleições municipais deste ano para a Câmara Municipal da capital, ficando na terceira suplência pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Acompanhei a contagem de votos e, por muitas vezes, pensei que ela fosse ser eleita a primeira travesti vereadora em João Pessoa. Mas, ainda não foi desta vez.

Porém, se depender da inteligência, coragem e determinação de Gabriella Kollontai Benvenutty, isso não vai demorar muito. Gabriella carrega em sua identidade, como mulher travesti, dois nomes representativos de mulheres fortes e lutadoras, que atuaram em busca de uma sociedade inclusiva, justa e democrática. Fernanda Benvenutty, travesti, enfermeira e ativista cultural e dos direitos da população LGBTQIAP+ na Paraíba, falecida em 2020, e Alexandra Kollontai, uma feminista russa, participante da Revolução Socialista, que aconteceu na Rússia, de 1917.

Gabriella recebeu o resultado de sua votação com surpresa, alegria e gratidão. “Esse número expressivo de votos, especialmente em uma primeira candidatura, reforça que muitas pessoas estão em busca de uma TRANSformação verdadeira, e se identificam com uma liderança pobre que entende suas realidades, que questiona as injustiças e que constrói propostas para resolver problemas reais, seja na mobilidade urbana, na cultura, na educação, no meio ambiente, na proteção dos direitos humanos etc”, afirma.


Gabriella Kollontai Benvenutty. / Foto: Carol Borges/@fotoscarolborges.

Gabriela não tinha intenção em se candidatar por causa da forma como a política é feita atualmente no país e por causa da violência política de gênero. Mas, o desejo coletivo de TRANSformar, como ela mesma diz, em ação as pautas e causas que defende atualmente, motivou-a a registrar sua candidatura como vereadora pelo PT. Gabriella Benvenutty é estudante de serviço social pela UFPB e militante do movimento estudantil, produtora cultural independente, atleta, travesti e negra, e sempre esteve envolvida em movimentos que buscam dar visibilidade e voz às populações mais vulneráveis.

“Foi por meio do movimento estudantil, da militância em direitos humanos e da atuação com a comunidade Ballroom que percebi a força que ações coletivas podem ter quando ocupamos espaços de decisão. João Pessoa precisa de representantes que conheçam as realidades dos bairros, que defendem a cultura, que utilizem ônibus, que acessem à educação e saúde pública. Nós precisamos de mais representantes com a cara do povo e menos homens brancos, ricos e herdeiros de sobrenomes políticos”, reafirma.

Resistência travesti

Gabriela é coordenadora da Casa das Benvenutty, fundada em 2020, em um bairro periférico de João Pessoa. A iniciativa é de acolhimento, resistência e fortalecimento para a comunidade LGBTQIAP+, especialmente dentro da cultura ballroom, na qual essas identidades e expressões encontram reconhecimento e visibilidade. O nome da Casa homenageia Fernanda Benvenutty.

“Fernanda foi pioneira em espaços onde pessoas trans e travestis raramente encontravam apoio, sendo fundadora da Associação de Travestis da Paraíba (Astrapa), de duas escolas de samba e uma das primeiras travestis a ocupar espaços de poder no estado como militante incansável na luta pelos direitos da população trans e travesti”, explica Gabriella. A trajetória e legado de Fernanda influenciaram a escolha do nome da casa para representar a continuidade de um legado transvestigenere, termo cunhado pela ativista trans Indianarae Siqueira, em 2015, para se definir de forma neutra a diversas experiências de pessoas trans.

Celebrando a cultura LGBTQIAP+

Na comunidade Ballroom, a comunidade LGBTQIAP+ organizam as balls (bailes), em que a comunidade pode competir, celebrar e exibir seus talentos, além disso a casa atua na organização de oficinas e treinos de dança, maquiagem, moda e escrita. “Esses encontros são oportunidades de fortalecimento coletivo, onde cada indivíduo é incentivado a desenvolver seu potencial e encontrar suporte, especialmente para pessoas LGBTQIAP+ negras que enfrentam desafios diários. Mais do que uma plataforma de expressão cultural, a Casa é um ponto de referência para a juventude LGBTQIAP+, que busca um espaço de pertencimento, autoestima e segurança”, informa a ativista.

Além das performances, também são realizadas na Casa das Benvenutty, rodas de conversa sobre saúde mental, identidade de gênero e direitos LGBTQIAP+, promovendo um ambiente de aprendizado e apoio. 


“Esses encontros [as balls] são oportunidades de fortalecimento coletivo", afima Gabi Benvenutty. / Foto: Carol Borges/@fotoscarolborges.

Gabriella reconhece a sua força e liderança, e sabe que a sua atuação política e social não se restringe a um cargo eletivo, e por isso, mesmo não sendo eleita neste pleito, ela continuou realizando atividades. “O objetivo, por enquanto, é intensificar ações no campo político, além de buscar parcerias com movimentos sociais, organizações de base e lideranças locais para fortalecer nosso campo de atuação. Essa união é fundamental para levarmos nossas pautas mais longe e estruturar soluções que realmente cheguem na ponta, impactando os setores mais vulnerabilizados”, ressalta a determinada Gabriella.

A política na vida diária

A participação nas eleições municipais de 2024 a deixou mais inspirada pela adesão e apoio que sua candidatura despertou. Por isso, ela acha essencial manter essa mobilização viva, “construindo coletivamente e mostrando que nosso projeto de sociedade pode crescer e se consolidar. Então, o que vem por aí é uma continuidade desse trabalho: seguirei ampliando a atuação, fortalecendo o diálogo, e me dedicando à construção de políticas públicas que representem, de fato, as necessidades e expectativas da nossa gente. Em 2026 ou não, essa caminhada já está em andamento, não se inicia nem se encerra em mim. Não estamos apenas representando ideias; estamos representando vidas, sonhos e futuros de pessoas que outrora não poderiam sonhar, e isso é o que me faz ter certeza de que nosso trabalho para eleger a primeira vereadora travesti de João Pessoa ainda está só no começo,” afirma.

Para ampliar a representatividade LGBTQIAP+ nas próximas eleições, Gabriella Benvenutty acredita que é preciso investir em educação política e formação de lideranças, incentivo financeiro a novas candidaturas jovens e LGBTQIAP+, de mulheres e negras, apoio ao engajamento das periferias e fortalecimento de parcerias com outros movimentos sociais. Ela também considera a comunicação  uma questão fundamental.  “Acredito em uma comunicação inclusiva e acessível para que a população entenda a importância das políticas públicas voltadas à diversidade e à inclusão, mostrando como isso beneficia a cidade como um todo. Toda vez que uma travesti negra se movimenta, a sociedade toda se movimenta junto”, reforça.

E questiona: “João Pessoa carrega diversidade em sua essência. Se a população brasileira é majoritariamente composta por pessoas negras e por mulheres, por que, entre as 29 cadeiras, 27 são ocupadas por homens brancos e cisgêneros em uma casa que deveria refletir a diversidade do povo?”. Vocês duvidam que ela vai chegar lá? Eu não.

*Mabel Dias é jornalista, associada Intervozes, observadora credenciada do Observatório  Paraibano de Jornalismo, mestra em Comunicação pela UFPB e doutoranda em Conunicação pela UFPE. Autora do livro “A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional (editora Arribaçã).

**A opinião contida neste texto não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Paraíba.

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Edição: Carolina Ferreira