Em sua primeira candidatura a vereadora de João Pessoa, ela recebeu 3.462 votos. Uma votação bastante expressiva para quem concorreu pela primeira vez nas eleições municipais deste ano para a Câmara Municipal da capital, ficando na terceira suplência pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Acompanhei a contagem de votos e, por muitas vezes, pensei que ela fosse ser eleita a primeira travesti vereadora em João Pessoa. Mas, ainda não foi desta vez.
Porém, se depender da inteligência, coragem e determinação de Gabriella Kollontai Benvenutty, isso não vai demorar muito. Gabriella carrega em sua identidade, como mulher travesti, dois nomes representativos de mulheres fortes e lutadoras, que atuaram em busca de uma sociedade inclusiva, justa e democrática. Fernanda Benvenutty, travesti, enfermeira e ativista cultural e dos direitos da população LGBTQIAP+ na Paraíba, falecida em 2020, e Alexandra Kollontai, uma feminista russa, participante da Revolução Socialista, que aconteceu na Rússia, de 1917.
Gabriella recebeu o resultado de sua votação com surpresa, alegria e gratidão. “Esse número expressivo de votos, especialmente em uma primeira candidatura, reforça que muitas pessoas estão em busca de uma TRANSformação verdadeira, e se identificam com uma liderança pobre que entende suas realidades, que questiona as injustiças e que constrói propostas para resolver problemas reais, seja na mobilidade urbana, na cultura, na educação, no meio ambiente, na proteção dos direitos humanos etc”, afirma.
Gabriela não tinha intenção em se candidatar por causa da forma como a política é feita atualmente no país e por causa da violência política de gênero. Mas, o desejo coletivo de TRANSformar, como ela mesma diz, em ação as pautas e causas que defende atualmente, motivou-a a registrar sua candidatura como vereadora pelo PT. Gabriella Benvenutty é estudante de serviço social pela UFPB e militante do movimento estudantil, produtora cultural independente, atleta, travesti e negra, e sempre esteve envolvida em movimentos que buscam dar visibilidade e voz às populações mais vulneráveis.
“Foi por meio do movimento estudantil, da militância em direitos humanos e da atuação com a comunidade Ballroom que percebi a força que ações coletivas podem ter quando ocupamos espaços de decisão. João Pessoa precisa de representantes que conheçam as realidades dos bairros, que defendem a cultura, que utilizem ônibus, que acessem à educação e saúde pública. Nós precisamos de mais representantes com a cara do povo e menos homens brancos, ricos e herdeiros de sobrenomes políticos”, reafirma.
Resistência travesti
Gabriela é coordenadora da Casa das Benvenutty, fundada em 2020, em um bairro periférico de João Pessoa. A iniciativa é de acolhimento, resistência e fortalecimento para a comunidade LGBTQIAP+, especialmente dentro da cultura ballroom, na qual essas identidades e expressões encontram reconhecimento e visibilidade. O nome da Casa homenageia Fernanda Benvenutty.
“Fernanda foi pioneira em espaços onde pessoas trans e travestis raramente encontravam apoio, sendo fundadora da Associação de Travestis da Paraíba (Astrapa), de duas escolas de samba e uma das primeiras travestis a ocupar espaços de poder no estado como militante incansável na luta pelos direitos da população trans e travesti”, explica Gabriella. A trajetória e legado de Fernanda influenciaram a escolha do nome da casa para representar a continuidade de um legado transvestigenere, termo cunhado pela ativista trans Indianarae Siqueira, em 2015, para se definir de forma neutra a diversas experiências de pessoas trans.
Celebrando a cultura LGBTQIAP+
Na comunidade Ballroom, a comunidade LGBTQIAP+ organizam as balls (bailes), em que a comunidade pode competir, celebrar e exibir seus talentos, além disso a casa atua na organização de oficinas e treinos de dança, maquiagem, moda e escrita. “Esses encontros são oportunidades de fortalecimento coletivo, onde cada indivíduo é incentivado a desenvolver seu potencial e encontrar suporte, especialmente para pessoas LGBTQIAP+ negras que enfrentam desafios diários. Mais do que uma plataforma de expressão cultural, a Casa é um ponto de referência para a juventude LGBTQIAP+, que busca um espaço de pertencimento, autoestima e segurança”, informa a ativista.
Além das performances, também são realizadas na Casa das Benvenutty, rodas de conversa sobre saúde mental, identidade de gênero e direitos LGBTQIAP+, promovendo um ambiente de aprendizado e apoio.
Gabriella reconhece a sua força e liderança, e sabe que a sua atuação política e social não se restringe a um cargo eletivo, e por isso, mesmo não sendo eleita neste pleito, ela continuou realizando atividades. “O objetivo, por enquanto, é intensificar ações no campo político, além de buscar parcerias com movimentos sociais, organizações de base e lideranças locais para fortalecer nosso campo de atuação. Essa união é fundamental para levarmos nossas pautas mais longe e estruturar soluções que realmente cheguem na ponta, impactando os setores mais vulnerabilizados”, ressalta a determinada Gabriella.
A política na vida diária
A participação nas eleições municipais de 2024 a deixou mais inspirada pela adesão e apoio que sua candidatura despertou. Por isso, ela acha essencial manter essa mobilização viva, “construindo coletivamente e mostrando que nosso projeto de sociedade pode crescer e se consolidar. Então, o que vem por aí é uma continuidade desse trabalho: seguirei ampliando a atuação, fortalecendo o diálogo, e me dedicando à construção de políticas públicas que representem, de fato, as necessidades e expectativas da nossa gente. Em 2026 ou não, essa caminhada já está em andamento, não se inicia nem se encerra em mim. Não estamos apenas representando ideias; estamos representando vidas, sonhos e futuros de pessoas que outrora não poderiam sonhar, e isso é o que me faz ter certeza de que nosso trabalho para eleger a primeira vereadora travesti de João Pessoa ainda está só no começo,” afirma.
Para ampliar a representatividade LGBTQIAP+ nas próximas eleições, Gabriella Benvenutty acredita que é preciso investir em educação política e formação de lideranças, incentivo financeiro a novas candidaturas jovens e LGBTQIAP+, de mulheres e negras, apoio ao engajamento das periferias e fortalecimento de parcerias com outros movimentos sociais. Ela também considera a comunicação uma questão fundamental. “Acredito em uma comunicação inclusiva e acessível para que a população entenda a importância das políticas públicas voltadas à diversidade e à inclusão, mostrando como isso beneficia a cidade como um todo. Toda vez que uma travesti negra se movimenta, a sociedade toda se movimenta junto”, reforça.
E questiona: “João Pessoa carrega diversidade em sua essência. Se a população brasileira é majoritariamente composta por pessoas negras e por mulheres, por que, entre as 29 cadeiras, 27 são ocupadas por homens brancos e cisgêneros em uma casa que deveria refletir a diversidade do povo?”. Vocês duvidam que ela vai chegar lá? Eu não.
*Mabel Dias é jornalista, associada Intervozes, observadora credenciada do Observatório Paraibano de Jornalismo, mestra em Comunicação pela UFPB e doutoranda em Conunicação pela UFPE. Autora do livro “A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional (editora Arribaçã).
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Edição: Carolina Ferreira