Paraíba

CULTURA

Luana Flores lança o clipe e single 'Alumeia', com participação de Juliana Linhares

O clipe traz o amor pela cultura popular e ilustra um Nordeste que enfrenta a instalação danosa dos parques eólicos

João Pessoa - PB |
Reprodução - Card Reprodução

A multifacetada artista paraibana Luana Flores apresenta ao público o single e clipe 'Alumeia', nesta quinta (7), a segunda faixa do seu esperado segundo disco, que tem lançamento previsto para 2025.

Com a participação especial de Juliana Linhares, 'Alumeia 'está disponível nos streamings, ganhou um clipe e já está disponível no YouTube.

O novo single de Luana traz o amor pela cultura nordestina através de uma estética de cordel com teatro de bonecos e também traz à tona um debate crucial sobre a nova luta que o Nordeste, especialmente nas áreas costeiras e sertanejas, enfrenta: as ameaças da instalação desenfreada de parques eólicos.

A canção mescla elementos do forró, maracatu e coco de roda, criando uma sonoridade vibrante que exalta a resistência nordestina. 'Alumeia' é o segundo single que abre caminhos para o aguardado primeiro álbum de estúdio de Luana, previsto para 2025.

Luana descreve como uma canção que capta a essência do povo retirante do Nordeste brasileiro. "A música reflete sobre a natureza efêmera da felicidade, reconhecendo que nem todo lugar oferece o mesmo brilho que sua terra natal. 'Alumeia' celebra a força da identidade cultural, retratando a vida com uma pisada forte e cheia de significado, repleta de memórias vívidas e emoções palpáveis", afirma a artista.

Dirigido pela própria Luana, o clipe narra a história ficcional de uma funcionária de uma usina eólica no sertão da Paraíba, que carrega consigo um baú mágico. O dia se torna propício para ritualizar e se rebelar, por meio da fé e da encantaria, contra a exploração ambiental que afeta a caatinga. Em meio a lajedos, a protagonista evoca seres encantados que habitam o baú: bonecas representadas por Luana Flores e Juliana Linhares. O videoclipe evidencia como a força da encantaria popular pode provocar fissuras e denunciar o sistema de neocolonização nos interiores nordestinos.

Para a concepção da história, Luana contou com a colaboração de Yasmin Formiga, artista visual e ativista ambiental de Santa Luzia, sertão da Paraíba. Yasmin participou de "Alumeia" como orientadora sobre o tema das energias renováveis (eólica e solar) e contribuiu com um trecho de uma entrevista que deu numa rádio, sampleado para o início do clipe. "Nos conhecemos em 2018 na cena de arte independente de João Pessoa, e desde então ela tem participado como atriz/performer em alguns dos meus clipes, como 'Reza' e meu álbum visual 'Nordeste Futurista'", comenta Luana.

'Alumeia' é uma composição original de Luana Flores, que convidou Juliana Linhares para uma participação especial poderosa. A produção musical é assinada por Ramiro Galas, produtor piauiense radicado em Brasília, e conta com a participação de Cristiano Oliveira nas violas. Este single marca o segundo lançamento do álbum, que também incluirá colaborações com artistas como Cátia de França, Jéssica Caitano e Chocolate Remix (MC argentina). O primeiro single, "Encantarya", foi uma parceria com a renomada Cátia de França.

O videoclipe conta com o incentivo do Edital “O Novíssimo Cinema Parahybano” através da Lei Paulo Gustavo do Fundo Municipal de Cultura de João Pessoa (FMC), em parceria com a Fundação Cultural de João Pessoa (FUNJOPE) e a Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP).

Resenha Crítica - por Cida Alves

A camponesa monta na sua bicicleta e vai passando pelas paisagens do sertão: vê a vegetação, animais, os lajedos, e carrega uma enxada. Vestida com roupa de trabalho, de chapéu, ela, por fim, apeia, e passa por baixo de um arame farpado que, no contexto simbólico é o portal da imaginação. Ela continua seu caminho, agora, pelos lajedos, com o sol brilhante 'alumiando' as suas ideias.

Neste momento, surge a estrofe da música “Ai, quem me dera”, e é aí que se abre a caixinha dos sonhos.

“Ai, quem me dera que o sol viesse em cada chão que eu pisasse.”

A enxada que carrega transforma-se em um cajado simbólico evocando a magia, e o que parecia ser uma caixa de ferramentas se abre para o cenário fantástico da personagem. Ela começa a dançar e deixa a imaginação fluir na epifania nordestina do coco de roda. Para nossa surpresa, surgem duas bonecas, mamulengos de pano, artesanais, com cabelos de palha e vestidos de saco de estopa. O sol segue brilhando fortemente em um céu muito azul que antes era ocupado pelas andorinhas e agora é rasgado pelas asas das torres eólicas.

As bonecas ganham vida em um cenário minimalista, observadas, talvez, por um monóculo¹, instrumento antigo que trazia um sentimento de ansiedade e expectativa por conter “escondido” ali dentro uma surpresa: as fotografias; e quem ganhava o objeto sempre ficava eufórico ao olhar na pequena lupa e ver qual momento estaria eternizado ali dentro.

Como “tudo é sertão” na estética do teatro armorial de Ariano Suassuna, as duas bonecas ganham vida e se transformam em Juliana Linhares e Luana Flores. Uma ajudando a outra a sair da caixinha.

No seu mundo imaginário, mesmo em meio às agruras e à exploração - antes terrestre, e agora espacial com as asas eólicas ocupando o céu agrícola — a camponesa se permite sonhar na fantasia dos cordéis de ‘Aruanda’². O videoclipe também e uma denúncia à invasão das torres eólicas, que trazem diversos tipos de problemas e prejudicam a população local. As torres não se limitam aos seus perímetros: ultrapassam biomas, plantas, agricultura, a saúde das pessoas e o meio ambiente, transformando o lugar onde elas chegam em desertos.

Com as bonecas, a camponesa passa a dançar e a sonhar, pois, não importa a idade, estamos sempre a brincar como meninas.

A música acende a temática da saudade — uma saudade desse Nordeste literário, cultural, musical e do quanto sonhar, de longe ou de perto, é o mesmo sonhar. Dançar um coco de roda em cima de um lajedo sob o céu azul do Nordeste pode ser o sonho mais arrebatador de alguém, esteja ele longe ou perto.

A música fala da saudade forte e pesada da cultura popular, e a camponesa segue dançando, girando e rodando com sua saia longa godê.

As duas dimensões — o espaço físico e o espaço onírico, subjetivo da trabalhadora — onde dançar ou cantar provocam vida aos seres inanimados, como as bonecas e os encantados, levam todas elas a dançar, a camponesa e as bonecas, debaixo do sol escaldante.

A camponesa veste, então, uma rede onde estão pendurados vários elementos da cultura popular. É a rede que conecta e transporta o imaginário e o simbólico que perpassa nossa identidade cultural imaterial, enquanto povo, raça e etnia, dos santos cristãos, das culturas indígenas e os de matriz africana.

O videoclipe 'Alumeia' de Luana Flores e Juliana Linhares mostra as artistas como representantes do imaginário, das bonecas, das calungas, como são chamadas no sertão, carregando a cultura popular, esse dançar, festejar e celebrar a cultura do cordel e do coco de roda. A cultura popular nordestina é um ato de resistência que desafia a narrativa de miséria com personagens, histórias e uma estética própria, como a de Suassuna, que entrelaça o real e o imaginário em busca de valorizar o Nordeste e resistir à erosão cultural.

Através do teatro de bonecos, do cordel e dos contos populares, o Nordeste se mantém vivo na música de Luana Flores, como um território que pulsa e reinventa o próprio sentido da vida, numa constante saudade e celebração do que é tão brasileiro quanto o sol que ilumina as vastidões da caatinga.

¹ Objeto onde podíamos ver fotos pequenininhas através de uma lente
² Aruanda (1960) é um filme de Linduarte de Noronha, mas também é uma cidade espiritual, pátria das almas umbandistas que já se reencontraram com o sagrado


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Edição: Heloisa de Sousa