Paraíba

Coluna

A luta pelo fim da escala 6x1 no Mês da Consciência Negra: por uma sociedade mais justa

O movimento Vida Além do Trabalho (VAT) defende o fim da escala 6x1 - Divulgação/VAT
A escala 6x1 é especialmente prejudicial àqueles que já enfrentam múltiplas formas de discriminação

Por Líndice Souza* e Xaman Minillo**

Em novembro de 2024, mês da Consciência Negra, as mídias sociais têm sido palco de uma mobilização histórica: um abaixo-assinado, com quase 3 milhões de assinaturas digitais, está mobilizando o jogo político em torno da jornada de trabalho 6x1.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da deputada federal Erika Hilton (Psol-SP), tramitando na Câmara, agora avança com mais de 200 assinaturas, um feito que não apenas desafia uma linha tradicional de reformas trabalhistas que prejudicam os trabalhadores, mas também cria uma nova dinâmica de apoio que transcende linhas partidárias. 

Ao discutirmos o assunto, é importante sublinhar que a escala 6x1 é especialmente prejudicial para aqueles que já enfrentam múltiplas formas de discriminação. A PEC é uma proposta sobre melhores condições de vida, principalmente para grupos que enfrentam diariamente outros desafios postos em virtude de seu enquadramento como minorias em termos de raça e gênero.

Em análise do Núcleo de Estudos Raciais do Insper realizada a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), a pedido da agência de notícias Alma Preta, verificou-se que trabalhadores formais negros são a maioria na escala 6x1, além de serem contemplados pelos menores salários. O cenário de injustiça se estende ao mercado informal, no qual pretos e pardos também são a maioria – ganhando, conforme atestam dados do IBGE, 60% a menos do que pessoas brancas.

Quando consideramos questões de gênero, o cenário continua preocupante. Apesar de não serem a maioria das pessoas reconhecidas como afetadas pela escala 6x1 em termos numéricos, as mulheres inseridas nessa escala são afetadas ainda mais desproporcionalmente ao considerar suas jornadas de trabalho agregadas - seja nos afazeres domésticos ou em atividades de renda extra.

Socialmente encarregadas do trabalho de cuidado – trabalho integral e cotidiano de produção de bens e serviços necessários à sustentação e reprodução da vida humana –, as mulheres trabalhadoras inseridas na escala 6x1 dedicam a maior parte de suas vidas trabalhando em prol dos outros, como nos afazeres domésticos e/ou trabalho formal. O mesmo censo do IBGE mostra que, em 2022, as mulheres dedicaram 21,3 horas semanais ao trabalho doméstico – em comparação com os homens, os quais gastaram 11,7 horas.

As mulheres negras desprendem 1,6 hora a mais do que mulheres brancas para esse mesmo tipo de trabalho

Nesse contexto, trazer a perspectiva interseccional para a discussão a torna ainda mais sensível: as mulheres negras desprendem 1,6 hora a mais do que mulheres brancas para esse mesmo tipo de trabalho. Se colocarmos o trabalho de cuidado em foco, o qual muitas vezes sequer é reconhecido como trabalho, salienta-se que o fim da escala 6x1 é também uma política de cuidado que beneficia diretamente mulheres encarregadas desse tipo de trabalho.

Atualmente, o nível de satisfação das mulheres brasileiras com suas vidas é de 30%, segundo dados do relatório do Lab Think Olga, o qual conduziu o estudo intitulado Esgotadas em 2023, procurando entender o sofrimento psíquico de mulheres no Brasil pós-pandêmico. Os números assustam: segundo o laboratório, 86% das brasileiras consideram enfrentar uma sobrecarga de responsabilidades. O cenário de exaustão enfrentado por essas mulheres mostra que é impossível existir bem-estar nessas condições, uma situação desumana que escancara como é inadmissível continuar a da maneira em que estamos e a importância de contestar a interpretação da CLT que respalda a escala 6x1.

Os regimes de trabalho vigentes em nosso país demonstram como nosso povo é trabalhador, e alterar esse sistema exploratório não mudará isso. Mas garantir acesso a descanso e tempo para outras atividades, assim como outros tipos de trabalho – muitas vezes não remunerados nem reconhecidos, como o de cuidado – promove bem estar, que pode trazer impactos positivos em termos de saúde pública e eficiência no trabalho, além da geração de novos empregos. 

A PEC demonstra a força da luta de nosso povo para mudar essa trajetória e contestar a onda de reformas promovidas nos últimos anos e que precarizaram suas vidas

O avanço da emenda demonstra um avanço na luta em prol dos direitos dos trabalhadores. Um povo que historicamente foi explorado, cujo suor e trabalho - remunerado ou não – construíram essa nação. A PEC demonstra a força da luta de nosso povo para mudar essa trajetória e contestar a onda de reformas promovidas nos últimos anos e que precarizaram suas vidas. 

Ao tratarmos da aprovação da PEC pelo fim da escala 6x1, estamos tratando de formas de fazer justiça. A exploração é mais dura com pessoas estruturalmente inseridas em contextos discriminatórios. Sendo assim, o fato de a mobilização da causa ter sido iniciada pela deputada Erika Hilton, primeira mulher negra travesti a ocupar um cargo de deputada federal, durante o mês da Consciência Negra é particularmente simbólico, e reforça a importância da luta contínua por direitos e por uma vida digna em tempos de tantos desmontes sociais.

*Líndice Souza é discente do curso de Relações Internacionais da UFPB. Atualmente, é bolsista de extensão e coordena o projeto Diálogo GENERI. Desenvolve pesquisa na área de Economia do Cuidado, com interesse especial nas áreas de cooperação internacional e políticas públicas. Estagiou como coordenadora de pesquisa grupo de estudos de Políticas Sexuais Internacionais – PoliSexI, e assistente auxiliar na Rede Latino-Americana MulheRIs+MujeRIs.

**Xaman Minillo é docente e coordenadora do curso de graduação em Relações Internacionais da UFPB, membro do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais – PPGCPRI UFPB. Trabalha com temas de políticas sexuais e de gênero, estudos queer e decoloniais, feminismos e ativismos LGBTQ+ africanos e indígenas. Coordena o grupo de estudos de Políticas Sexuais Internacionais – PoliSexI, e é responsável pelo projeto de extensão Diálogo GENERI. Contribui para a promoção da igualdade de gênero na comunidade acadêmica em suas pesquisas, aulas, e como membro do grupo MulheRIs e co-coordenadora da Rede Latino-Americana MulheRIs+MujeRIs.

***Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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Edição: Carolina Ferreira