No exato momento em que João Pessoa se torna uma das cidades mais promissoras do mundo para o desenvolvimento do turismo, parte do seu potencial turístico é colocado em risco (destruído). A cidade, que já foi considerada uma das mais arborizadas do país, vem assistindo, diariamente, sua gestão urbana ser conduzida na contramão do desenvolvimento sustentável, adotando uma política urbana equivocada em relação ao meio ambiente (insustentável).
Dentre os exemplos que evidenciam a falta de sustentabilidade, o Polo Turístico Cabo Branco figura como um dos mais absurdos. Naquela área, um iminente projeto prevê a construção de um complexo turístico-hoteleiro em uma das áreas mais importantes e ambiental sensíveis da cidade.
Idealizado na década de 1980, o projeto sofreu diversas sanções devido aos seus impactos socioambientais. Contudo, ao ser colocado como o grande empreendimento do Governo do Estado para alavancar o turismo em João Pessoa e na Paraíba, seus mentores ignoraram a economia da natureza ao longo da evolução do tempo.
Desde os anos 1980 até os dias atuais, os conceitos de turismo, turista, hotelaria e urbanismo foram se alterando ao longo do tempo. Sendo assim, a proposta retrocede em completo descompasso com a realidade atual e expõe a falta de um planejamento estratégico mínimo para o turismo em João Pessoa. Isso desencadeará graves problemas ao meio ambiente, às expectativas turísticas atuais e ao mercado hoteleiro da cidade.
O projeto prevê a destruição de uma área considerável de Mata Atlântica, o bioma mais ameaçado do Brasil. Segundo o Instituto SOS Atlântica (2023), João Pessoa possui 1.525 hectares de mata conservada (equivalente a 2.137 campos de futebol). O Polo Cabo Branco abrange uma área de 654 hectares (916 campos de futebol), ou seja, 43% da área de mata da cidade será destruída. Esse impacto gerará graves consequências, como o assoreamento de rios, a erosão de falésias, o desaparecimento da fauna silvestre, o aumento da temperatura e da poluição, principalmente, para a área urbana, entre outros problemas.
Essa situação também evidencia a falta de planejamento adequado na concepção do Polo, que, ironicamente, compromete o principal atrativo turístico de João Pessoa: a natureza. De acordo com a Fecomércio (2023), mais de 80% dos turistas apontam que os principais atrativos de João Pessoa estão relacionados ao meio ambiente.
Uma pesquisa da Booking.com (2024) coloca a cidade como um dos destinos mais procurados do mundo para 2024/2025. O levantamento demonstra os motivos que fazem João Pessoa se destacar no turismo internacional, os quais estão alinhados com as demandas do "novo turismo" e do "novo turista": “lugares menos explorados, que oferecem uma experiência genuína e memorável; destinos sustentáveis; experiências culturais autênticas; e o desejo por locais que proporcionem contato direto com a natureza”. Exemplos notórios que a proposta do Polo Cabo Branco não atende às demandas atuais do turismo e coloca em risco a sustentabilidade da cidade, ao insistir em um modelo de turismo de massa, saturado e insustentável.
Atualmente, o turista busca experiências imersivas, que permitam interagir com a cultura local, a gastronomia, conhecer seu povo e seus costumes. Esse conceito se baseia na economia da experiência, que é um dos fundamentos do turismo contemporâneo e propõe vivenciar uma localidade, e não apenas conhecê-la superficialmente.
Além dos impactos diretos da destruição da vegetação, o projeto também reforça a imagem de João Pessoa como uma cidade que negligencia a sustentabilidade urbana. O Polo Cabo Branco estimulará o espraiamento urbano, um modelo ultrapassado e insustentável, que destrói a natureza para expandir zonas urbanas. Localizado a 12 km do perímetro urbano, esse tipo de planejamento turístico está em desuso.
Outro ponto crítico é a gentrificação (processo de especulação imobiliária que descaracteriza um local para atribuir valor monetário), que resultará na segregação e na criação de "guetos turísticos". Um complexo turístico-hoteleiro tão distante do centro urbano ignora as demandas do turismo contemporâneo. Como consequência, o Polo Cabo Branco promoverá a segregação social e a destruição ambiental, em um momento em que o mundo se concentra em desenvolver modelos baseados na sustentabilidade.
Além de ameaçar a paisagem natural de grande importância para o turismo, bem como o seu próprio desenvolvimento, o projeto também representa uma ameaça para a hotelaria já estabelecida na cidade. Com o Polo, o número de leitos praticamente duplicará. Atualmente, João Pessoa possui cerca de 12 leitos hoteleiros, e o projeto prevê a adição de novos 10 mil. Com a concessão de incentivos fiscais, como a redução de 50% no Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), para empreendimentos no complexo, os meios de hospedagem existentes enfrentarão uma competitividade desleal, resultando no desequilíbrio do mercado.
Infelizmente, a cidade não está preparada para esse aumento exponencial na recepção de turistas, pois não há um planejamento turístico com metas e objetivos claros para os próximos 10 ou 15 anos. Como resultado, já se percebe impactos como o trânsito, a especulação imobiliária e o aumento do custo de vida na cidade, motivos de reclamações frequentes entre os moradores.
Diante desse cenário, é urgente uma intervenção do Ministério Público e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), considerando as evidências de perdas socioambientais. Um projeto que busca impactar o turismo de toda a Paraíba deve, no mínimo, apresentar metas e objetivos claros, além de um plano de manejo – uma exigência legal.
Uma pesquisa científica publicada em novembro deste ano, na Revista Brasileira de Ecoturismo, de título: A Insustentabilidade da “Sustentabilidade”: algumas reflexões a respeito da implementação do Polo Turístico Cabo Branco (PB) e organizações sociais como os Protetores de Jacarapé e o Movimento Esgotei denunciam a destruição e a falta de planejamento no projeto. Imagens do Instagram do coletivo Protetores de Jacarapé expõem os impactos, derivados do Polo, na fauna silvestre, animais desorientados e atropelados. Nas redes sociais, também há uma avalanche de críticas devido aos impactos socioambientais, mostrando o descompasso entre a proposta e a opinião pública.
João Pessoa poderia utilizar seu rico potencial natural para desenvolver um turismo estratégico e sustentável. Em vez de destruir quase metade da área de mata atlântica da cidade, o espaço de 654 hectares poderia ser transformado em um parque urbano sustentável, com museus, trilhas ecológicas, tirolesa, anfiteatro, oficinas de educação ambiental, entre outras atrações. Integrado ao Centro de Convenções e à Estação Ciência, esse parque poderia se tornar um complexo de lazer, colocando João Pessoa no mapa mundial como a cidade com o maior parque urbano da América Latina, sendo o único à beira-mar.
A gestão do turismo estadual e municipal teve a oportunidade de observar modelos bem-sucedidos no Brasil e no mundo e adotar um turismo voltado para o futuro, mas prefere vislumbrar o passado. João Pessoa possui grande potencial para o desenvolvimento de um turismo sustentável na natureza, característica que a tornou uma das cidades mais promissoras do mundo no setor.
Poderíamos adotar esse modelo e avançar no planejamento turístico em João Pessoa com um foco no principal diferencial da cidade: a natureza, ou o ecoturismo urbano. Trazendo benefícios para o turismo, para o meio ambiente e para a população local, uma proposta baseada na hospitalidade urbana, modelo de planejamento que une planejamento turístico e urbano. Atualmente, o ecoturismo ou turismo ecológico é considerado pelos estudiosos como o mais promissor do ponto de vista econômico, social e ambiental.
João Pessoa possui um potencial socioambiental riquíssimo e poderia se destacar como uma cidade pioneira no desenvolvimento do ecoturismo urbano, alinhando todo o seu planejamento à sustentabilidade. Isso, sim, seria um diferencial que aumentaria o potencial turístico da cidade de forma significativa, sustentável e inovadora. No entanto, a cidade parece escolher investir em um turismo predatório de massa, que entrou em colapso em destinos europeus, tornando se um modelo ultrapassado e insustentável sem a legitimidade da comunidade local. Um verdadeiro absurdo!
Com tudo isso, ser contra a implementação do Polo Turístico Cabo Branco não é ser contra o desenvolvimento do turismo em João Pessoa, muito pelo contrário, é ser racional e pensar o turismo na cidade de forma séria, planejada e sustentável.
Nota
Este artigo tem como base uma pesquisa publicada no periódico acadêmico denominado Revista Brasileira de Ecoturismo, publicada em 1 de novembro de 2024. A pesquisa foi desenvolvida por Pedro Henrique Cesar, Henrique Elias Pessoa Gutierres e Joel Silva dos Santos. Acesse aqui.
Referências
Booking.com: Viagem reinventada: previsões de viagens da Booking.com para 2025.
Fecomércio: Turismo: 97,37% dos turistas que visitaram a Paraíba pretendem retornar ao estado, aponta Fecomércio.
*Pedro Henrique Cesar é professor e pesquisador. Formado em hotelaria pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), tem mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Doutorado em Engenharia e Gestão de Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato Paraíba.
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Edição: Carolina Ferreira