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Integrar sociedade civil e gestão pública: é isso o que falta para alcançar uma segurança alimentar efetiva?

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"Após quatro dias de muito debate, a impressão que fica é que existem, de fato, dois universos muito particulares: a sociedade civil e a sociedade política", refletem as autoras deste texto. - Foto: Divulgação/FomeRI.
Entre os dias 25 e 28 de novembro, realizamos nosso primeiro ciclo de debates: Redes e Atores

Por Júlia Rensi*, Nádia Aun** e Hellen Lima***

Em uma semana de encontros produtivos na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), falou-se muito sobre a produção de alimentos, a importância da terra e do território e o protagonismo dos movimentos sociais urbanos na diminuição da insegurança alimentar. Integrar, cooperar e comunicar são palavras-chave no contexto da governança participativa. Entretanto, uma questão fundamental sempre aparece: quais elementos faltam para que seja possível estabelecer um canal mais fluido de comunicação entre sociedade civil e gestão pública? 

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Entre os dias 25 e 28 de novembro, realizamos nosso primeiro ciclo de debates: Redes e Atores. A proposta desse evento era justamente discutir como redes e atores podem ser estratégicos para a criação de mais fluxos entre as diferentes instâncias de uma sociedade, melhorando a forma como interagem e trocam informações. Uma vez que esse trabalho foi o resultado da cooperação entre o Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais (FomeRI), vinculado ao Departamento de Relações Internacionais, e o programa de pós-graduação em Gestão Pública e Cooperação Internacional (PGPCI), ambos da UFPB, a segurança alimentar foi o tema transversal a todas as mesas-redondas organizadas. 

Foram quatro mesas ao longo de quatro dias. A primeira, O Comer Local em um Mundo Global, trouxe o coordenador estadual do MST-PB, Gilmar Felipe, a Profa. Marília Bregalda, do departamento de Terapia Ocupacional (UFPB), e a Profa. Cristiane Libório, do departamento de Gastronomia (UFPB). Os profissionais debateram formas coletivas e sustentáveis de produção alimentar com base nas experiências das hortas comunitárias de projetos de extensão, bem como na experiência prática de um movimento social rural (MST) na produção de alimentos saudáveis e sem veneno.
Nas palavras de Gilmar Felipe, “Comida não pode ser tratada como mercadoria, isso impacta o valor que damos ao trabalho de agricultores e agricultoras, bem como aquilo que produzimos, aquilo que é nosso. Hoje, as pessoas têm mais cuidado com os objetos que compram do que com os alimentos que consomem.”


Gilmar Felipe (em pé) durante a participação no evento. / Foto: Cecília Laís Ferreira/FomeRI.

No segundo dia, apresentamos o tema Cooperação Internacional como Estratégia na Promoção de Capital Social. Para esse debate, foram convidados o Prof. Dr. Alexandre Leite (UEPB), o Prof. Dr. Thiago Lima (UFPB) e a Profa. Ms. Mariana Davi (IFPB). O diferencial desse encontro foi a atualidade do tema. Thiago Lima e Mariana Davi, além de professores, integram a Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, por meio da qual atuaram na brasileira do G20 (2023/2024). Os professores destacaram o avanço da pauta da segurança alimentar e nutricional e do combate à fome e à pobreza na agenda do grupo, mediante a aprovação de uma Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, além de enfatizarem os desafios enfrentados ao trazer temas de relevância social para o centro da discussão internacional.


Participação de Mariana Davi. / Foto: FomeRI.

Na quarta-feira (27/11), o tema principal foi Políticas Públicas, Participação e Engajamento. Estavam presentes nesse dia a pesquisadora Hellen Lima (UFPB), Josefa Pereira (Cozinhas Solidárias do MTD – Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras por Direitos – e MST), Alice Oliveira Lopes (CSA Parahyba), Luciano Wanderley Gomes (Quilombo do Bonfim) e Cida Ramos (professora doutora e deputada estadual).

O alimento voltou para o centro do debate, enfatizando o descompasso vivido há décadas no Brasil: fome, cozinhas sem alimentos e agricultores perdendo suas colheitas por falta de estrutura para distribuição de produção. As experiências compartilhadas demonstraram a capacidade de mobilização e a inventividade da sociedade civil a fim de diminuir lacunas sociais, como a falta de acesso a alimentos. Segundo Cida Ramos, “Essa é uma capacidade de resiliência que precisa ser reconhecida. No Brasil, a participação sempre foi combatida, por isso precisamos valorizar ainda mais ações como essas (Cozinhas Solidárias e Rede CSA Parahyba).”


Entre outros, estão na foto Cida Ramos (no centro) e Josefa Pereira, a Zefinha, militante do MTD e MST, e representantes do Quilombo do Bonfim. / Foto: Divulgação/FomeRI.

Fechamos nossa programação com a participação de Regina Bonfá (chefe da divisão de Economia Solidária da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social – João Pessoa) e Lácio de Araújo Meira (coordenador do Núcleo de Aquisição da Alimentação Escolar da Secretaria Estadual de Educação da Paraíba). Ambos trouxeram relatos de suas trajetórias dentro dos programas de aquisição de alimentos (PAA) e de alimentação escolar (PNAE). Eles pontuaram justamente as dificuldades encontradas durante a execução desses e de outros programas devido às constantes mudanças sofridas ao longo dos anos.

Por um lado, é preciso criatividade para desenvolver ações suficientemente diversificadas que atendam às múltiplas territorialidades de um estado como o da Paraíba; do outro, insistência para lidar com os obstáculos encontrados na execução desses programas, como por exemplo os projetos para coleta e reciclagem de resíduos sólidos em João Pessoa.

Após quatro dias de muito debate, a impressão que fica é que existem, de fato, dois universos muito particulares: a sociedade civil e a sociedade política. Dentro de cada um, percebemos o esforço contínuo de envolvimento e superação, como o exemplo das cozinhas solidárias, das redes de consumo e dos projetos de extensão desenvolvidos a partir do interesse da universidade em contribuir com a sociedade. 

Da mesma forma, foi possível perceber quanto ganhamos como nação ao presidir um grupo como o G20, além da contribuição para o esforço coletivo global de criar ferramentas para o combate à fome e à pobreza. A gestão pública também se mostrou muito eficaz na proposta de promover mais integração intersetorial, bem como de avançar em propostas de políticas públicas mais eficientes e com mais alcance dentro de cada território. O que fica é a percepção de que ainda estamos muito distantes um do outro, muito embora as discussões tenham apontado para inúmeras oportunidades de atuarmos de maneira mais integrada. 

Esse foi nosso primeiro ciclo de debates, nossa primeira ação para promover uma discussão qualificada de temas fundamentais para o combate da fome e para a formação de uma sociedade mais participativa. A presença de profissionais das mais diversas áreas durante os quatro dias foi, sem dúvida, nosso grande acerto. Saímos com a sensação de que precisamos promover mais encontros como esse, mas que também é preciso um esforço coletivo para viabilizar as ações discutidas. 

*Júlia Rensi é pesquisadora e coordenadora FomeRI

**Nádia Aun e ***Hellen Lima são pesquisadoras e colaboradoras FomeRI.


****A opinião contida neste texto não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato Paraíba.

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Edição: Carolina Ferreira