Chapada desestabilizou tradições unindo a bandeira arco-íris à vestimenta tradicional de vaqueiro
Por Kelvin Araújo da Nóbrega Dias* e Xaman Minillo**
Walmir Calaça, conhecido como “Chapada”, foi assassinado a tiros na noite de sábado, 30 de novembro, em Floresta, no Sertão de Pernambuco. O crime ocorreu por volta das 19h, nas proximidades da Academia Pernambuco, no centro da cidade. A vítima chegou a ser socorrida por populares e levada ao Hospital Coronel Álvaro Ferraz, mas já estava sem vida ao dar entrada na unidade de saúde. As motivações para o crime não foram esclarecidas e o caso está sendo investigado pela Polícia Civil.
História de luta e empatia
Walmir Calaça, figura popular na região, ganhou destaque nacional em 2023 por participar da Missa do Vaqueiro de Serrita carregando a bandeira LGBTQIAPNB+. Em uma atitude de coragem e solidariedade, ele levou o símbolo da diversidade a um evento tradicional católico. Chapada desestabilizou tradições unindo a bandeira arco-íris à vestimenta tradicional de vaqueiro em festividade de uma religião que rejeita identidades e expressões de gênero assim como sexualidades que escapam à heterossexualidade.
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Heterossexual, o vaqueiro explicou o gesto como uma forma de promover respeito e inclusão. “Esse é o pedaço de pano mais pesado que já carreguei, mas eu não deixei de carregar, porque isso vai abrindo a cabeça de alguém”, afirmou à época.
Sua iniciativa foi motivada por um episódio de violência ocorrido em 2016, quando 49 pessoas foram assassinadas em um ataque à Boate Pulse, em Orlando, nos Estados Unidos. O gesto de Walmir na Missa do Vaqueiro ficou marcado como um símbolo de resistência e empatia, que ele repetia anualmente desde então.
Repercussão e luto
Manifestações de pesar foram compartilhadas nas redes sociais, celebrando seu legado de luta e empatia. Ainda que não se saiba a causa da morte de Chapada, ela é uma manifestação que salienta violências que marcam nossa sociedade. A própria Missa do Vaqueiro é um evento que rememora o assassinato impune do vaqueiro Raimundo Jacó, também tema da música A Morte do Vaqueiro de Luiz Gonzaga. Ela também reacende o debate sobre a violência direcionada às pessoas LGBTQIAPNB+ e àquelas que demonstram apoio à causa.
Mesmo sendo heterossexual, Walmir enfrentou ataques e preconceitos LGBTfóbicos por sua escolha de carregar a bandeira LGBTQIAPNB+ em um evento tradicional como a Missa do Vaqueiro. A tragédia evidencia que a violência e a intolerância não se restringem apenas à orientação sexual ou identidade de gênero de uma pessoa, mas também a atitudes que desafiem os valores heteronormativos e cristãos dominantes.
Comentários nas mídias sociais tentam dissociar o crime de motivações LGBTfóbicas, mas as entrelinhas das críticas revelam uma lógica de repulsa e discriminação. Termos como “heresia” e “profanação”, usados por detratores de Walmir, indicam como a simples presença de elementos associados à diversidade sexual e de gênero em espaços tradicionalmente conservadores provoca reações de intolerância. Essa dinâmica além de marginalizar pessoas LGBTQIAPNB+, coloca em risco aqueles que se solidarizam com suas lutas.
O caso de Walmir Calaça é emblemático, pois demonstra como mesmo a heterossexualidade, quando combinada com alinhamento a valores religiosos ou culturais tradicionais, não é suficiente para blindar alguém contra a violência, caso essa pessoa escolha apoiar causas que desafiem os pilares de uma sociedade que tem a heterossexualidade como regime político. Essa tragédia expõe uma verdade incômoda: enquanto espaços de poder e valores hegemônicos continuarem a marginalizar existências que desafiem normas conservadoras, tentativas de inclusão e de questionamento da imposição da heterossexualidade serão vistas como atos de provocação, passíveis de serem silenciados por meio da violência. Walmir se tornou um alvo, não apenas por carregar um símbolo, mas por incluir a memória de pessoas LGBTQIAPNB+ em um evento de rememoração dos que se foram e, dessa forma, tentar transformar a maneira como enxergamos o outro.
*Kelvin Dias é bacharel e mestre em Relações Internacionais pela UEPB. Atuou no programa #tmjUNICEF, uma iniciativa voltada ao combate de notícias falsas e à promoção dos direitos humanos durante a pandemia de COVID-19. Seus temas de interesse incluem teoria crítica, Marxismo Queer, familismo e paradiplomacia. Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Políticas Sexuais Internacionais (PoliSexI) e do Projeto de Extensão Diálogo de Gênero nas Relações Internacionais (GENERI), ambos do Departamento de RI da UFPB. Membro da Associação Brasileira de Estudos da Trans-Homocultura (ABETH).
**Xaman Minillo é docente e coordenadora do curso de graduação em Relações Internacionais da UFPB, membro do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais – PPGCPRI UFPB. Trabalha com temas de políticas sexuais e de gênero, estudos queer e decoloniais, feminismos e ativismos LGBTQ+ africanos e indígenas. Coordena o grupo de estudos de Políticas Sexuais Internacionais – PoliSexI, e é responsável pelo projeto de extensão Diálogo GENERI. Contribui para a promoção da igualdade de gênero na comunidade acadêmica em suas pesquisas, aulas, e como membro do grupo MulheRIs e co-coordenadora da Rede Latino-Americana MulheRIs+MujeRIs.
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Edição: Carolina Ferreira