Paraíba

Coluna

Dezembro Vermelho em João Pessoa: conscientização, prevenção, tratamento e combate ao estigma do HIV/Aids

Material disponibilizado pela oficina de conscientização 'Dezembro Vermelho: Cuidando e Transformando Vidas', realizada pela Prefeitura Municipal de João Pessoa na quarta-feira (18). - Foto: Assessoria PMJP.
O Dezembro Vermelho é uma oportunidade crucial para disseminar conhecimento

Por Évine Alcântara Barbosa Leite*, Júlia Ana Bezerra dos Santos**, Xaman Minillo***

Em 1988, cinco anos após o descobrimento do vírus do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV, da sigla em inglês), a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), juntamente com a Organização Mundial da Saúde (OMS), instituiu o dia 1° de dezembro como o Dia Mundial da Luta contra a Aids. 

Desde então, a data é utilizada no mundo todo não só para a mobilização coletiva em prol da prevenção e testagem, mas também para promover a discussão e enfrentamento do preconceito e do estigma em torno da doença e das pessoas que vivem com HIV. No Brasil, a campanha instaurada pela  Lei nº 13.504/2017, nomeada Dezembro Vermelho, expande tal agenda para o mês inteiro, além de ampliar as discussões para outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), como o HPV.

A Aids é o nome dado à síndrome causada pela infecção do HIV. Esse vírus ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças.  As pessoas soropositivas podem transmitir o vírus a outras pessoas pelas relações sexuais desprotegidas, pelo compartilhamento de seringas contaminadas ou de mãe para filho durante a gravidez e a amamentação, quando não tomam as devidas medidas de prevenção. 

Embora o HIV não tenha cura, o tratamento adequado pode suprimir o vírus. É essencial destacar que ser uma pessoa soropositiva HIV não é sinônimo de estar doente ou de transmitir o vírus. É consenso entre os cientistas que pacientes que seguem corretamente o tratamento alcançam, sob acompanhamento médico, uma carga viral indetectável, impedindo a transmissão e permitindo uma vida normal. No entanto, o uso da camisinha continua sendo a melhor forma de prevenção, protegendo contra o HIV/Aids e outras ISTs.

Conforme o Boletim Epidemiológico de HIV e Aids 2024, da Secretaria de Estado da Saúde (SES-PB), a Paraíba registrou 610 casos de HIV e 154 casos de Aids. Políticas públicas direcionadas que garantam o acesso aos serviços, a atenção e cuidado dos profissionais, assim como o combate à discriminação e ao estigma impactam diretamente na eficiência dos planos de combate à Aids.

Identificada pela primeira vez em 1981, nos Estados Unidos, a Aids tornou-se popularmente conhecida como “peste gay”, haja vista o crescimento exponencial de casos letais da síndrome na população LGBTQIA+ estadunidense, especialmente em homens gays e em travestis. Nesse contexto, desenvolveu-se um estigma sobre os indivíduos soropositivos e ampliou-se a discriminação contra essa população, como se a possibilidade de ter a IST fosse determinada por gênero e orientação sexual.

A história da epidemia de HIV/Aids demonstra como gênero e sexualidade são aspectos determinantes no acesso a direitos básicos. Por muitos anos, os acometidos por essa infecção eram ignorados pelas autoridades e sofriam violências em locais onde buscavam acolhimento. Ampararam-se no ativismo de suas comunidades, que promoveram campanhas de educação sexual e exerceram pressão social para a garantia de acesso a tratamentos em escala global. Apesar da evolução em termos de políticas públicas e de discussões no tema, substanciadas em avanços científicos, a reputação negativa atrelada a pessoas soropositivas se perpetua até os dias atuais, afetando suas relações sociais assim como sua busca por serviços de saúde.

O Dezembro Vermelho é uma oportunidade crucial para disseminar conhecimento sobre a convivência respeitosa com pessoas que vivem com HIV, desmistificando preconceitos históricos e promovendo a inclusão por meio do enfrentamento da discriminação e o incentivo ao diálogo aberto. Abordar esses aspectos é essencial para reduzir o impacto do estigma que, muitas vezes, desencoraja a busca pelo diagnóstico e pelo tratamento, além de marginalizar ainda mais grupos já vulnerabilizados. 

Chamamos a atenção, assim, para a importância de haver maior visibilidade das ações promovidas nas mídias oficiais da Prefeitura de João Pessoa, que têm focado quase exclusivamente na ampliação de testagens. Promover testagens é uma medida fundamental para a detecção precoce e o tratamento do HIV, mas ela não é suficiente para enfrentar os desafios sociais e culturais que envolvem a doença, que muitas vezes impedem indivíduos de se testarem e/ou buscarem tratamento. Destacamos, assim, a importância de campanhas voltadas à conscientização sobre a relevância do Dezembro Vermelho como uma oportunidade de promover o acolhimento de pessoas soropositivas e combater a estigmatização associada ao HIV/Aids, especialmente no que diz respeito às questões de gênero e sexualidade.

O desafio que a epidemia de HIV/Aids configura salienta a importância da convocação de ações coletivas, envolvendo o poder público, a sociedade civil e a academia

O desafio que a epidemia de HIV/Aids configura salienta a importância da convocação de ações coletivas, envolvendo o poder público, a sociedade civil e a academia para promover maior eficácia na conscientização e no acesso à prevenção e tratamento da infecção, abordando as especificidades inerentes à gestão de políticas, ao avanço científico e às vivências e valores da sociedade. Nessa linha, salientamos algumas iniciativas que vêm sendo realizadas na cidade de João Pessoa como parte do Dezembro Vermelho para sensibilizar a população quanto à importância do acesso à informação adequada sobre os métodos de prevenção e de tratamento.

No ambiente acadêmico, tais discussões são viabilizadas a partir de campanhas e projetos. Exemplo disso é o projeto de extensão Falando sobre Aids: debate e informações nas ruas, nas praças e nas redes da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o qual tem como propósito abrir espaços de debates e disseminar informações em uma linguagem acessível, abordando as dimensões subjetivas, sociais, culturais e políticas em torno da prevenção, da vivência e convivência com o HIV/Aids. 

Coordenado pelas professoras Luziana Silva e Mónica Franch,  esse projeto se debruça desde 2020 sobre a temática e no dia 4 de dezembro deste ano realizou uma roda de conversa com o objetivo realizar o diálogo de vivências e a distribuição de materiais como preservativos e testes rápidos, e juntou colaboradores do projeto, membros de movimentos sociais e de órgãos que trabalham na prática o tema.

Outra pauta fundamental no Dezembro Vermelho é a intensificação de serviços voltados à prevenção, à testagem e ao tratamento da síndrome. Na Paraíba, o principal centro de referência para diagnóstico, atendimento e encaminhamento de pacientes com doenças infectocontagiosas, incluindo ISTs e o vírus HIV é o Complexo de Doenças Infectocontagiosas Dr. Clementino Fraga. Com 65 anos de atuação no campo das doenças infecciosas, o hospital adquiriu, em 1989, o status de unidade referência no tratamento de doenças infectocontagiosas sob a gestão da Secretaria de Estado da Saúde, destacando-se no tratamento de tuberculose, hanseníase, ISTs/HIV/Aids, dengue e hepatites virais.

No mês de dezembro, as ações de conscientização do Complexo Clementino Fraga incluíram a realização do seminário HIV Hoje: Conhecimento, Tratamento e Prevenção para um Futuro sem Estigma. Voltado para profissionais da saúde de hospitais públicos e privados, o evento abordou temas como as diferenças entre PEP (Profilaxia Pós-Exposição) e PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), estigma e discriminação relacionados ao HIV e orientações sobre o tratamento antirretroviral.

Além disso, ao longo do mês, o Complexo Clementino Fraga está promovendo a intensificação da testagem rápida para detecção de HIV/Aids. Qualquer pessoa interessada pode solicitar a testagem na instituição, bastando apresentar um documento de identificação com foto e o cartão SUS. Após consulta com psicólogo ou assistente social, o teste é realizado, e o resultado fica pronto em cerca de 20 minutos. Caso o resultado seja positivo, o paciente será encaminhado para acompanhamento com um infectologista no hospital.

O Complexo Clementino Fraga realiza atendimentos ambulatoriais de segunda a sexta-feira, das 7h às 17h. Para mais informações sobre os serviços, a Central Telefônica oferece atendimento 24 horas pelo número (83) 3612-5050. Também é possível acessar as redes sociais do projeto pelo perfil @hospitalclementinofraga.

O município de João Pessoa também oferece atendimento e acompanhamento a pessoas com ISTs e vivendo com HIV/Aids por meio do Serviço de Assistência Especializada em HIV/Aids e do Centro de Testagem e Aconselhamento em ISTs (SAE-CTA). A organização fornece assistência integral e sigilosa por meio de uma equipe multiprofissional. O SAE-CTA está localizado na Avenida Alberto de Brito, 411, Jaguaribe. O atendimento ambulatorial ocorre de segunda a sexta-feira, das 7h às 16h30. Para mais informações, os contatos são (83) 3214-3427 ou (83) 98645-8230 (Ouvidoria da Saúde da Policlínica M. Jaguaribe).

*Évine Alcântara Barbosa Leite é discente do oitavo período do curso de Relações Internacionais da UFPB. Atua com foco em pesquisa na área de Políticas Sexuais, com interesse em estudos LGBTQ+ africanos, e é membro do projeto de extensão Diálogo GENERI - Diálogo de Gênero nas Relações Internacionais. Estagia como coordenadora de pesquisa do grupo de estudos de Políticas Sexuais Internacionais - PoliSexI.

**Júlia Ana Bezerra dos Santos é discente do oitavo período do curso de Relações Internacionais da UFPB. Membro do projeto de extensão Diálogo GENERI - Diálogo de Gênero nas Relações Internacionais.

***Xaman Minillo é docente e coordenadora do curso de graduação em Relações Internacionais da UFPB, membro do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais – PPGCPRI UFPB. Trabalha com temas de políticas sexuais e de gênero, estudos queer e decoloniais, feminismos e ativismos LGBTQ+ africanos e indígenas. Coordena o grupo de estudos de Políticas Sexuais Internacionais – PoliSexI, e é responsável pelo projeto de extensão Diálogo GENERI. Contribui para a promoção da igualdade de gênero na comunidade acadêmica em suas pesquisas, aulas, e como membro do grupo MulheRIs e co-coordenadora da Rede Latino-Americana MulheRIs+MujeRIs.


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Edição: Carolina Ferreira