Hoje, os descendentes dos Tabajara, Potiguara, Tupiniquim e outros povos revitalizam o idioma
Por Ezequiel Maria*
É comum que, quando duas sociedades distintas de cultura, língua e crenças diferentes se encontrem, ocorra um fenômeno chamado “mestiçagem” e “aculturação” entre os indivíduos de ambas as nações. As consequências nem sempre são boas. Às vezes surgem fatores catastróficos, como a proibição do idioma Tupi Antigo no Brasil. Nas palavras de Darcy Ribeiro: “A expansão do domínio português terra adentro, na construção do Brasil, é obra dos brasilíndios ou mamelucos.” Um exemplo disso é Jerônimo de Albuquerque Maranhão, responsável pelo tratado de paz entre os Potiguara e os Tabajara, aliados aos portugueses, além da “conquista” do Rio Grande do Norte e da expulsão dos franceses do Maranhão. Vale destacar que ele era neto do Cacique Tabajara Uirá-uby (Arcoverde), ou seja, um mestiço.
Falando em Jerônimo de Albuquerque, ancestral do personagem responsável pela proibição do Tupi, chega-se ao Marquês de Pombal. A irmã de Jerônimo, Dona Catarina de Albuquerque, assim como ele, era filha de Dona Maria do Espírito Santo, indígena Tabajara, filha do Cacique Uirá-uby, o Arcoverde. O pai deles, que também se chamava Jerônimo de Albuquerque, descendia do rei Dom Dinis, aquele que criou a Ordem dos Cavaleiros de Cristo.
Seria a sétima geração desse mesmo Jerônimo de Albuquerque que corroboraria para a extinção e substituição do Tupi – língua de seus antepassados. Com um povo de língua única, já não haveria diversidade de nações, e todos os que outrora eram considerados bárbaros passariam a ser meros cidadãos vassalos do El-Rei, sujeitos às mesmas normas do Estado. O que se vislumbrava como progresso, revelou-se uma catástrofe, visível ainda nos dias de hoje.
Por serem membros da baixa nobreza, os Albuquerques seriam tratados como fidalgos. Compreenda-se que “fidalgo” significa “filho de algo”, ou seja, o título se referia a feitos notáveis ou a uma descendência ligada à nobreza, neste caso, por terem linhagem de reis. Além disso, havia a linhagem real Tupi, herdada por parte dos Tabajara.
Assim se deu a origem de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal: Jerônimo de Albuquerque, de origem portuguesa, casou-se com Dona Maria do Espírito Santo, indígena Tabajara, e desse matrimônio nasceu Catarina de Albuquerque, uma mestiça de primeiro grau. Catarina, por sua vez, casou-se com Filipe Cavalcante, de origem italiana, e dessa união nasceu Genebra Cavalcante, mestiça de segundo grau.
Dona Genebra Cavalcante casou-se com Filipe de Moura, português, e tiveram como filho Paulo de Moura, mestiço de terceiro grau. Este, ao casar-se com Dona Brites de Melo, gerou Maria de Melo, mestiça de quarto grau.
Maria de Melo uniu-se em matrimônio com Francisco Mendonça Furtado, dando origem a Mayor Luísa de Mendonça, mestiça de quinto grau. Dona Mayor Luísa, ao casar-se com João de Almeida e Mello, teve como filha Teresa Luísa de Mendonça e Mello, mestiça de sexto grau.
Por fim, Teresa Luísa de Mendonça e Mello casou-se com Manuel de Carvalho e Ataíde, e dessa união nasceu em 13 de maio 1699, Sebastião José de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal, mestiço de sétimo grau.
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, não foi de todo ruim em suas decisões com relação aos nativos. É fato que foi responsável por liberar o casamento entre europeus e indígenas no Brasil, concedendo diante dos colonos uma certa igualdade, dando continuidade ao que fora iniciado pelo esposo de sua sétima tia-avó, Duarte Coelho, cunhado de Jerônimo de Albuquerque (o velho), e que resultou em sua própria linhagem mestiça. Além disso, ele estendeu a todo o território brasileiro a lei que proibia a escravização dos indígenas – embora não obedecida pelos fazendeiros, antes restrita ao Grão-Pará e ao Maranhão. Toda vez que um Estado buscar incluir uma nação indígena nos parâmetros da brasileira, ele decretará a extinção da mesma. A partir desse momento, não haverá nação Tupi e nação brasileira, uma será suprimida e sufocada pelas leis da outra, e sempre sobrará para os indígenas. Não é uma lei criada por brancos que deverá dizer se os nativos são ou não são indígenas; se possuem terras ou não; se tem direitos ou não. Vós sois os verdadeiros donos.
Pombal também transformou aldeamentos em vilas e permitiu que os indígenas comercializassem seus produtos, promovendo uma aparente integração econômica. Contudo, suas ações trouxeram consequências negativas para seus ancestrais indígenas. Ao instituir o português como idioma oficial nas escolas destinadas aos nativos, ele visava agradar ao Rei de Portugal e consolidar o idioma do reino, proibindo o uso do idioma brasílico – até então amplamente falado.
A resistência dos jesuítas, que persistiam em falar e ensinar o Tupi, levou à sua expulsão das províncias portuguesas e ao confisco de seus bens no ano de 1759. Com isso, o Tupi Antigo foi, aos poucos, extinto, marcando o início de um processo que apagou uma das principais heranças culturais e linguísticas dos povos originários.
Ironicamente, o Tupi, proibido com a ajuda de um descendente, agora regressa com o esforço de muitos outros descendentes.
Hoje, 266 anos depois, os descendentes dos Tabajara, Potiguara, Tupiniquim e outros povos revitalizam o idioma que outrora fora proibido. Ironicamente, o Tupi, proibido com a ajuda de um descendente, agora regressa com o esforço de muitos outros descendentes. A língua que já foi oficial do Brasil está de volta. Viva o Tupi!
Para melhores informações sobre o assunto leia o artigo: O Marquês de Pombal: o mestiço que proibiu a Língua Tupi.
*Ezequiel Maria (Kaberekoara) é um jovem indígena. É professor de língua Tupi Potiguara na escola da aldeia Jaraguá, no território Potiguara, no litoral norte da Paraíba.
**A opinião contida neste texto não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Paraíba.
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Edição: Carolina Ferreira