Decisão foi alvo de discussões entre juristas, principalmente por promover espetacularização
Por Karolina Silva*
Desde 2018, as paraibanas e paraibanos passaram a se acostumar com notícias referentes a investigações de corrupção nos quadros do governo do Estado. A maioria dessas notícias relaciona-se com a operação Calvário.
O que é a operação Calvário?
É uma força tarefa conjunta entre os Ministérios Públicos dos Estados da Paraíba e do Rio de Janeiro e da Polícia Federal e que investiga supostos desvios de recursos públicos em contratos com a Cruz Vermelha Brasileira (CVB).
A primeira fase da operação foi deflagrada em dezembro de 2018 e cumpriu mandados de busca e apreensão e de prisão preventiva contra 11 pessoas. Porém, foi em dezembro de 2019 que a operação passou a receber mais atenção.
Na ocasião, uma decisão do desembargador do Tribunal de Justiça da Paraíba, Ricardo Vital de Almeida, autorizou a prisão preventiva de 17 pessoas, dentre elas Ricardo Coutinho, ex-governador do estado, e outros nomes da sua base aliada, tais como a deputada estadual Estela Bezerra e Márcia Lucena, prefeita da cidade do Conde. Além da busca e apreensão contra a deputada estadual Cida Ramos e o atual governador do Estado, João Azevedo.
A repercussão foi imediata. Os jornais locais acompanharam, durante todo o dia, os andamentos do cumprimento da decisão do desembargador. À época, Ricardo Coutinho estava em viagem ao exterior e seu nome foi incluído na lista de procurados da Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal), sendo preso dois dias depois quando chegou ao aeroporto do Rio Grande do Norte.
Por que essa operação tem sido criticada?
A decisão foi alvo de diversas discussões entre juristas, principalmente por promover espetacularização, interpretações e práticas que eram aplicadas na operação Lava Jato.
É por isso que, tanto para a Lava Jato como, agora, para a Calvário, vêm-se usando o termo lawfare, que significa “o uso estratégico do direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo”, em explicação às motivações investigativas contra lideranças políticas acusadas nas operações. Dito de outra forma, trata-se da utilização do direito como instrumento de perseguição.
Como o direito tem sido utilizado como instrumento de perseguição?
Um exemplo foi o mandado de prisão preventiva contra Ricardo Coutinho, fundamentado em delações premiadas de investigados presos.
Por um lado, da leitura da Lei 12.850/2013 - que prevê a colaboração - conclui-se que, sozinha, ela não pode fundamentar decisão e que o seu sigilo será mantido até o recebimento da denúncia, pois é um meio de obtenção de prova.
Por outro lado, questiona-se quão voluntária é a delação de acusados que estiveram presos. É que a prisão preventiva pressionaria o recluso para se atingir a delação, assim como, no sistema inquisitório, aplicava-se a tortura com o objetivo de obter a confissão do acusado.
Este é apenas um exemplo de variadas inovações no direito apontadas por juristas que ocorreram na operação Calvário. Mas, mesmo que a perseguição jurídica da Calvário aconteça contra agentes públicos que não pertencem à mesma classe socioeconômica da maioria da população, é esta quem mais sentirá os ataques aos direitos ocorridos nesta sanha desenfreada sob pretexto do combate à corrupção.
Os direitos democráticos estão em risco com a Operação Calvário?
A relativização de teses jurídicas em casos de grande repercussão contra fortes lideranças políticas legitima que as mesmas práticas sejam aplicadas no dia-a-dia da justiça contra pessoas comuns e, na maioria das vezes, sem a mesma oportunidade de defesa.
A grande repercussão das operações Lava Jato e Calvário neste contexto atual do Brasil também revela a manobra para fortalecer o autoritarismo e a repressão contra a população. Tanto é que, nos últimos anos, novos projetos de lei que visam endurecer a punição estão cada vez mais em pauta, como foi o caso, por exemplo, do pacote anticrime (Lei 13.964/2019) e dos projetos que tramitam nas casas legislativas para a legalização da prisão antes do trânsito em julgado do processo.
Além disso, o lawfare empregado nessas operações é a regra do que acontece no cotidiano contra a população marginalizada, como no caso de Rafael Braga, catador de materiais recicláveis preso de maneira arbitraria em 2013 no Rio de Janeiro. Em contrapartida, os poderosos conseguem celebrar a delação premiada e se livram das prisões; alguns deles até mesmo descumprem as condições do acordo sem sofrer consequências, tal como Alberto Youssef, doleiro preso na operação Lava Jato.
Antes mesmo de alguns políticos serem considerados uma ameaça às elites que detém o poder, outros grupos sociais já eram representados como inimigos. Mas, neste caso, o aspecto subjetivo do julgador, reconhecido na própria lei, já servia para encarcerar, em quantidade amplamente superior, pessoas pobres, pretas e marginalizadas.
A bandeira do combate à corrupção não declara o seu real propósito e ele é: enfraquecer politicamente os inimigos e negar direitos e garantias individuais à população, como o direito ao devido processo legal.
*Karolina Silva é advogada
Edição: Henrique Medeiros e Cida Alves