As eleições municipais representam um momento decisivo para a ação e a incidência política na disputa pela agenda urbana, uma vez que os municípios têm, entre suas atribuições, a responsabilidade de implementar políticas públicas territoriais fundamentais para a vida das pessoas, como, por exemplo, habitação, saneamento, meio ambiente, mobilidade urbana, entre outros.
Apesar de sua relevância, o planejamento urbano tem ocupado pouco espaço nos debates em Campina Grande. Por isso, o presente artigo oferece uma análise crítica dos planos de governo¹ dos candidatos à prefeitura de Campina Grande, com o objetivo de identificar propostas relacionadas à Política Urbana, especialmente no que diz respeito ao Plano Diretor e demais planos, políticas e leis urbanísticas e ambientais.
O Plano Diretor é o instrumento que rege a política urbana, sendo o instrumento básico da Política de Desenvolvimento Urbano Municipal, conforme previsto pela Constituição Federal e o Estatuto da Cidade. E, junto aos planos setoriais (de Habitação, Saneamento, de Mobilidade etc.), orçamento municipal (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei do Orçamento Anual) e as leis urbanísticas e ambientais são imprescindíveis ao planejamento e gestão municipais. Por isso, é fundamental verificar se os planos de governo propostos pelos candidatos que disputam o segundo turno em Campina Grande abordam tais planos e leis e, em caso positivo, se reforçam os princípios constitucionais e do Estatuto da Cidade.
Com o processo de revisão em andamento², não é possível exigir que propostas específicas do Plano Diretor (PDCG) figurem nos textos das propostas dos candidatos. No entanto, os princípios a regê-lo estão estabelecidos não só no Estatuto da Cidade³, como na própria Constituição Federal. Esses princípios incluem a função social da cidade, a função social da propriedade urbana e a gestão democrática. Portanto, as propostas que se relacionam à política urbana dentro do território municipal não devem ser contrárias a esses princípios.
Qual é o espaço da agenda urbana nos programas de governo?
O candidato do União Brasil, integrante da coligação Por Amor a Campina (União, Podemos Avante, MDB, PRD, Solidariedade, Federação PSDB Cidadania), Bruno Cunha Lima é o prefeito em exercício, que busca reeleição. Durante sua gestão, foi realizada a revisão do Plano Diretor em 2024, com um atraso de oito anos — sendo três anos de sua gestão e cinco anos da gestão de seu antecessor, Romero Rodrigues, do mesmo grupo político e familiar. No entanto, o Plano Diretor não foi mencionado em seu plano de governo. Ademais, outros temas, pertinentes à agenda urbana, como a mobilidade e a infraestrutura urbana são mencionados de maneira bastante discreta, ou até mesmo superficial, por meio de algumas propostas, como aprimorar e ampliar a cobertura do sistema de transporte público — medidas que não foram implementadas durante seus quatro anos de administração.
No documento, são apresentadas outras ações, como a revitalização de edifícios considerados patrimônios, a revitalização e construção de praças e áreas de lazer, a renovação da iluminação pública e o recapeamento asfáltico de vias. Essas obras, embora importantes para a população local, são projetos e ações específicos, e não políticas públicas estruturais. Além disso, aspectos relevantes ficaram de fora, como a questão da habitação e da gestão democrática, que em nenhum momento aparecem no texto.
Jhony Bezerra, candidato do PSB e apoiado pelo governador do estado, concorre pela primeira vez ao cargo de chefe do executivo municipal pela coligação Por uma Campina Campeã, uma coalizão ampla e diversa, que abrange partidos de centro-esquerda e até de direita (Republicanos, AGIR, PSB, Mobiliza, PP, PSD). No programa de governo do postulante, o Plano Diretor é mencionado por meio de uma proposta que prevê sua elaboração, ignorando ou desconhecendo não apenas o fato de que a lei passou recentemente pelo processo de revisão, mas também que a vigência do documento deve ser de dez anos, e não trinta, como menciona o texto.
No entanto, sua carta proposta apresenta medidas para a política urbana municipal que dialogam com o direito à cidade, como a implementação de políticas que assegurem um uso adequado do solo, a redefinição e ampliação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), incluindo a urbanização dos assentamentos e a oferta de assistência técnica, além da criação de um banco de terras e de ZEIS Tipo 2 em regiões com melhor infraestrutura para facilitar o acesso à moradia.
Por fim, é importante ressaltar que o texto se destaca por abordar a gestão democrática participativa, a partir da reativação de conselhos municipais e da criação de um sistema de monitoramento e revisão contínua do planejamento urbano. Adicionalmente, expressa a iniciativa de envolver os moradores no planejamento, implementação e monitoramento de políticas habitacionais, além de prever programas de capacitação para a população sobre seus direitos e participação cidadã.
…E depois do dia 27?
Durante a próxima gestão, tanto o Executivo como o Legislativo irão deliberar sobre questões cruciais no que se refere ao desenvolvimento urbano municipal. Por isso, é importante refletir sobre que tipo de projeto de cidade queremos por meio das propostas dos candidatos em quem depositaremos nossos votos.
Uma das principais pautas dos movimentos que lutam pelo direito à cidade tem sido a revisão do Plano Diretor. Embora tenhamos alcançado um saldo relativamente positivo até aqui, com a aprovação de pautas que dialogam com o cumprimento da função social da cidade e da propriedade, muito do que foi conquistado ainda está em jogo, pois dependerá da votação na Câmara Municipal. Além disso, um Plano Diretor só é realmente efetivado a partir da implementação de leis que disponham sobre Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo; Regulamentação das Zonas Especiais; Código de Posturas; Código de Obras e Código Tributário Municipal, além das pautas referentes às políticas setoriais, projetos que deverão ser encaminhados pelo Executivo em até dois anos após a aprovação do PDCG.
Em um município onde uma parte expressiva da população vive em condições de risco e vulnerabilidade, não podemos mais permitir que a história se repita e que a falta de vontade política impeça a efetivação dos nossos direitos, conquistados com a luta dos movimentos populares.
O que temos percebido ao longo dos 16 anos de vigência do atual⁴ PDCG, assim como dos demais planos e leis urbanísticos e ambientais, é que o documento tem sido tratado como uma mera carta de intenções, engavetada após a aprovação do Projeto de Lei, sem nenhuma incidência efetiva no território. Em um município onde uma parte expressiva da população vive em condições de risco e vulnerabilidade, não podemos mais permitir que a história se repita e que a falta de vontade política impeça a efetivação dos nossos direitos, conquistados com a luta dos movimentos populares.
Nossa luta não se limita ao período eleitoral; ela se desdobra em diversas frentes, exigindo vigilância e engajamento contínuos. Mais do que a democracia representativa, a democracia participativa é de suma importância, sendo um caminho para o diálogo com o poder público. E, se nos for negado acesso a esses espaços, a sociedade civil não terá outra alternativa senão lutar por eles. A gestão democrática e o controle social são pilares de um governo que deve ser feito para o povo, com o povo.
Notas
¹ As informações encontram-se disponíveis na plataforma DivulgaCand, que apresenta as informações detalhadas sobre todos os candidatos que pediram registro à Justiça Eleitoral e sobre suas contas eleitorais e as dos partidos políticos. Acessado pela última vez em 14 de outubro de 2024.
² A Minuta do Projeto de Lei foi apresentada à população em uma Conferência realizada no dia 15 de agosto de 2024 e posteriormente encaminhada à Câmara Municipal, onde, à altura da publicação deste texto, encontra-se em tramitação.
³ Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes gerais da política urbana.
⁴ Lei Complementar nº 003, de 09 de outubro de 2006, que promove a revisão do Plano Diretor do Município de Campina Grande.
*Bárbara Martins é graduanda em arquitetura e urbanismo na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). É pesquisadora do Núcleo Paraíba do INCT Observatório das Metrópoles e integra a Frente pelo Direito à Cidade e o núcleo de Campina Grande da rede BR Cidades.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.
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Edição: Carolina Ferreira